Sílvio Bernardes
As caixas começavam a bater lá pelos lados do Mirante e eu ficava animado: “Lá evém coroa! Meu Deus, que coroa é essa? A coroa é de promessa!”, era o povo congadeiro que entoava as cantigas, a cantoria da Festa do Reinado. Na minha infância, nós que morávamos na Cava, pertinho da Igreja do Rosário – e, também, do ‘Cantinho do Céu’ – vivíamos colados com a Festa do Reinado, o histórico Congado de Itaúna. A gente conhecia todo mundo que participava dos ternos de guarda: os capitães, os soldados, os príncipes e as princesas, as rainhas, os congadeiros com suas fardas e capacetes com espelhinhos. Se a gente não conhecia pessoalmente, sabia deles por nome, ouvindo o zoto falar: João Criolinho, Joaquim Procópio, Dona Çãozinha Basílio, seu João Basílio, Vandeir Camargos, Ângelo Guarda-Chave, João Justino, Dona Juvercina, Sô Geraldo Marra, Zé Conquista (o zeloso zelador da “Igreja de Baixo”), Raimundo da Rosa, João Bigode, Dona Maria Viuvinha, Virgínia Mãe Preta, Dona Cidinha, Maria Ana, Jésus Benzedor, Joaquim Salomé, Vico, Zé Luiz do João Criolinho, Dona Maria do João Criolinho, Donizete, Dilermando Bimba, Hélio Gregório, Celso, Joana, Joãozinho da Dona Çãozinha, os irmãos João e Vicente Salomé, Tião Salomé, Vicente Brandão, Dona Raimunda, Penha do Sô Jésus Benzedor, Geraldinho e Geraldão, Dona Cezelina, Juvenil e tantos outros que a memória vai repassando.
Antes mesmo da folhinha marcar o agosto e os primeiros ventos do mês mais poeirento do ano começarem a soprar lá no alto, perto do Cantinho do Céu, a gente já se preparava para a Festa do Reinado. A mãe comprava panos para as roupas novas que a dona Avelina costureira se incumbia de produzir. As emoções da meninada eram intensas. Diante dos primeiros rebimbares do sino da Igreja – coisas do zeloso zelador Zé Conquista – os meninos da Dona Luzia se alvoroçavam. Tão logo a permissão era concedida pela cuidadosa progenitora, saíamos em disparada rumo ao Alto do Rosário, onde já estava montado o cenário da festa, ou pelo menos parte dele: as igrejas enfeitadas, as primeiras barraquinhas – a do Derli e a do Zé Rafael já estavam prontas – feitas de bambu, algumas ripas de madeira e cobertas de folhas de piteira. Outras vinham depois: a da garapa do Calixto, a da moça da maçã do amor, do homem do quebra-queixo, a banca de pirulitos puxa-puxa e amêndoas da Dona Isabel do Picolino, os balões cheios de gás, o sorvete colorido e de sabor duvidoso. O jogo do Coelhinho (que era, na verdade, porquinho-da-Índia) tinha no comando a animação dos irmãos Debique: Jair, Oscar e Gentil e era um dos grandes motivos da nossa empolgação por causa das prendas. Também havia as prendas (muitas) dos leilões da Igreja do Rosário: bolos, latas de doces, biscoitos, frango assado, roscas, garrafas de vinho… O parque do Lôli não demorava a chegar e a meninada crescia os olhos nos brinquedos e jogos: a música, os balanços, o dangue, a canoa, os cavalinhos (carrossel), o tiro de rolha, as argolas etc. “Essa festa não pode acabar. Essa festa não pode ter fim/ Se um dia essa festa acabar, eu não sei o que será de mim…”, cantavam os congadeiros em danças e ritmos no entorno das igrejas de baixo e de cima sob um poeirão de dar gosto, digo, de agosto.