Que história é essa? Lembranças da festa do Reinado e de outros folguedos do mês de agosto

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Sílvio Bernardes

Festa do Reinado de antigamente tinha que ter roupa nova. A meninada da minha corriola adorava essa época do ano porque, com certeza, a gente subia o Morro do Rosário nos trinques, com calça, camisa e sapatos novinhos em folha. E havia, também, no mês de agosto, os ventos dos papagaios coloridos, uma brincadeira à mais para os nossos folguedos. Os ventos de agosto colaboravam com a meninada que se divertia em ver as moças segurando a barra da saia, que insistia em subir à cabeça e arrumando os cabelos que ficavam todo esgandanhado, como o joão-felpudo.

Eu morava ali na boca da Cava, por onde passavam todas as guardas de Congado, especialmente as que vinham lá dos lados da Çãozinha do João Basílio, do Jésus Benzedor, do Joaquim Salomé… do Santo Antônio e da Vila Mozart. A do João Criolinho e a do Irineu saíam da Laje e as demais, como a do Joaquim Procópio e do Vandeir Camargos, da Rua da Ponte.

Na boca da Cava, onde eu morava, a gente ficava a um pulo do Morro do Rosário, onde estavam (e estão) a Igreja de Baixo e a Igreja de Cima. A Igreja de Baixo, maior e mais imponente, que tinha a inscrição em sua abóboda: “Regina Sacratissimi Rosarii”, era onde eram realizados os terços e as cantorias da Dona Juversina Procópio e das mulheres que a acompanhavam, como minha mãe Dona Luzia: “A nós descei/ Divina luz…”. Na Igreja de Cima, pequena e simpática, reuniam as guardas sob o comando do João Criolinho e do João Basílio da Dona Çãozica. Entre as duas igrejas, o jogo do coelhinho (que na verdade era porquinho-da-índia), dirigido pelos irmãos Debique: Jair, Oscar e Gentil, era a sensação dos meninos pequenos e calvos. “Vai corrê o cuei!”, gritava um dos irmãos mais animados. E a meninada ficava ali espiando o bichinho assustado ser liberado da tampa de uma caixa de madeira e correr para uma das casinhas com os números dos bilhetes. O sortudo ganhava o prêmio da casinha premiada: uma garrafa de vinho, uma lata de doce, um pacote de cigarro…

Ao lado da igreja de Baixo, na Rua Gonçalves da Guia, situava-se o famoso “Cantinho do Céu”, um pedaço da zona de baixo meretrício – acho bonita essa palavra – bastante frequentado por homens que, para além da Festa do Reinado, gostavam de estar por ali, para dançar e namorar as moças. No ‘Cantinho do Céu’ havia o bar do Derli e o terreiro de chão batido que era a “sala de visitas” dos barracões onde as mulheres   davam expediente. No terreiro, a alegria era, nas mais das vezes, muito presente, pois havia danças, abraços, beijos e muitas inconfidências feitas entre sussurros atrevidos seguidos de risinhos safados.

As Guardas de Congado passavam ali na porta do ‘Cantinho do Céu’ sem se incomodar com o ambiente profano que se respirava em cada espaço. As cantigas dos congadeiros, mais o som de suas caixas, se misturavam à música do Bar do Derli, onde desfilavam, quase sempre, Roberto Carlos, Diana, Odair José, Waldick Soriano, Nélson Gonçalves,  Evaldo Braga etc.

O Morro do Rosário era uma festa.