Sílvio Bernardes
smabernardes@hotmail.com
Quem já foi obrigado a inventar uma história de férias inesquecíveis para a redação escolar, levanta a mão? Eu fui, aliás, não foi uma vez somente. Foram várias. Tornei-me um craque em histórias de ficção nas minhas doces e divertidas composições do grupo escolar. As minhas férias – e de muitos meninos da minha corriola – eram quase sempre iguais. Para muita gente, como a professora do grupo, os acontecimentos desses moleques eram coisa pouca, sem conteúdo interessante para uma redação escolar. E não eram muito diferentes dos fins de semana dos períodos da escola. A diversão ficava por conta da nossa criatividade, das possibilidades que as ruas ofereciam, do ambiente, da turma, da leréia, dos breguetes etc. Então, aquelas histórias de “Minhas férias na fazenda”, “Dias de sol, dias de praia”, “um verão inesquecível”, “Viagens de férias”, não passavam de invenção da minha cabecinha. “Mentira pura, café com gordura”, como dizia o outro.
De primeiro, no primeiro dia de aula, a professora solicitava, com amabilidade e doçura, que os seus alunos fizessem “uma composição bem bonita sobre as suas férias”. E emendava a meiga professorinha: “letrinha bonita, caprichada, sem borroqueira e ilustrada com um desenho colorido”. Muita gente ali, eu me incluo nessa, não iria contar a verdade. Escrever que passara as férias em casa, ou melhor, na rua, brincando até falar que chega? Que brigou com o fulano, que ganhou um galo na testa e perdeu a ponta do dedão do pé, que viu o fulano fazendo indecência com a fulana perto do campinho, que o jogo de pelada não foi mais divertido porque a bola caiu na casa do vizinho – de maus bofes – que a estraçalhou em mil pedaços com um canivete e ainda disse que quem achasse ruim e fosse homem suficiente que fosse lá tirar satisfação. Eu acho que não contei na minha composição escolar que nuns dias de férias eu fui para a praça da matriz engraxar sapatos e noutros dias catei ferro velho e noutra ocasião vendi picolé e chupei muitos que estavam derretendo. Não escrevi sobre as minhas aventuras indo levar almoço na firma para os meus irmãos mais velhos e da briga que eu vi entre dois moleques dos diabos. Não contei das minhas idas ao quintal do vizinho, cheio de frutas maduras e de perigo – das mordidas de um cachorro bravo e de um tiro de sal no traseiro que não levei. As minhas composições eram bacanas, tinham cheiro de flores do campo numa fazenda que eu nunca pus os pés. Minhas composições falavam de cavalos velozes que eu jamais montei, de passeios por cidades grandes, cheias de gente e de mistérios, mas onde eu só conhecia apenas da televisão e do cinema. E, bom que se diga, que a televisão era a do vizinho, que nos deixava filar a programação noturna, própria para menores da nossa idade. Minhas composições do grupo escolar eram obras de ficção, assim como os meus relatos de passeios de carro, de charretes enfeitadas, de navios gigantes, dos banhos de mar, dos parques de diversão imensos e dos aviões a jato
Eu nunca tinha voado em avião, véio, embora me dessem asas e oportunidade para sonhar.