Que história é essa? O fotógrafo Osvaldo e os retratos dos tipos populares de Itaúna

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Sílvio Bernardes

Um amigo me envia mensagem solicitando ajuda para uma pesquisa que pretende fazer sobre o Osvaldo fotógrafo, com destaque para sua galeria de tipos populares de Itaúna. Não pude lhe auxiliar muito, já que não possuo maiores informações sobre a vida daquele profissional que tinha o hábito de retratar com sua Rolleiflex pessoas simples e humildes – algumas delas doentes mentais.  Chamadas de tipos populares, esses homens e mulheres perambularam durante muitos anos pelas ruas da cidade e não passaram incólumes no cotidiano de inúmeras pessoas. O retratista Osvaldo foi meu colega de trabalho durante alguns carnavais, sendo ele um mestre em captar os instantâneos de pessoas e situações da folia de Momo  e eu, jovem repórter do “Jornal Brexó”, completamente embevecido pela beleza das mocinhas e dos enredos de escolas de samba e blocos carnavalescos, esquecia do meu ofício de registrar as ocorrências e as intercorrências na avenida. Trocávamos algumas ideias (sic) e ele sempre solícito e profissional na sua arte. Não mais que isso foram os nossos encontros. Ele era da fotografia e eu era da folia.

Ficou famosa a Kombi azul do Osvaldo, sempre estacionada em frente ao adro da igreja matriz, na Praça Dr. Augusto Gonçalves, que expunha diariamente inúmeras fotografias de pessoas – conhecidas e anônimas – colocadas sob um cartaz onde se lia em letras garrafais: “Mandou tirar e não pagou”. Contei essa história para uns colegas professores da UIT, que vêm de outras cidades e não conhecem quase nada da memória local. Eles caíram na risada e quiseram saber se um dia o meu retrato também esteve ali, estampado junto de outros inadimplentes. Nunca.

Da galeria de tipos populares figurava a gente humilde que andava pelaí, sem eira nem beira, como diz o outro, mas que era conhecida de todo mundo. Quando criança, acompanhado da mãe e dos irmãos, eu frequentava a antessala do estúdio do Osvaldo – ali próximo da Praça da Estação –, onde, nas paredes, fora instalada a galeria de fotos. Eu e turma da Dona Luzia ficávamos olhando durante muito tempo aqueles rostos, muitos dos quais conhecidos do nosso cotidiano. Em vários anos a galeria do Osvaldo foi se renovando com o acréscimo de outras figuras das ruas. Também por isso, gostávamos de frequentá-la fazendo comentários sobre essa ou aquela pessoa retratada. Gostávamos de lembrar deles, do jeito engraçado de falar, de andar, de se vestir e, principalmente, do medo ou da curiosidade mórbida que provocavam em nós. Ali estavam a Doneta, o Pedro Sapo, o Dr. da Mula Ruça, a Maria Poeira, a Ana Pescocinho, o Simão, a Rosa Concorde, o Berrinha, o Marazito, a Margarida Verdura, o Zé da Lata e a Dora, o Vicente Macaco, o Sertanejo, o Pauzinho, o Lilico Mercedinha, o Paulo Tolelê…

Um dia o estúdio do Osvaldo fechou suas portas para sempre – a Kombi foi estacionada em definitivo na Praça da Matiz – e a galeria dos tipos populares foi vendida para o empresário Hélcio Poita, que a preservou durante muitos anos. Confesso que não sei onde foram parar os quadros com as fotografias dessas figuras públicas imemoriais, ainda que a galeria tenha sido digitalizada integralmente.

No seu livro de estreia: “Recado em Pedras (e pétalas)” (1983), a escritora Maria Lúcia Mendes escreve sobre a coletânea de tipos populares do Osvaldo.

“(…) Osvaldo soube gastar filme com essa gente sem pompa, desprovida de tudo, jogada aqui e ali, cuja vida se resumia em dois caminhos: aceitação e humildade.

(…) Talvez nem todos concordem, mas muito devemos a essas pobres criaturas de Deus. Delas recebemos sábias lições de desprendimento e conformismo. Divertiam-nos, cada qual a seu modo, e davam-nos, sem pedir nada em troca, horas felizes, onde curiosidade, receio e ternura se entrelaçavam.

Contradizendo o título “Tipos Populares de Itaúna”, eu os chamaria “Os que Viveram”, porque pouco ou quase nada tiveram na vida, mas contentaram-se com isso e foram, na concepção de cada um, bem mais felizes que nós, eternos insatisfeitos” (p. 85-87).