As cornetas do alto-falante do parque de diversões do Lôli, no Alto do Rosário, esgoelavam a música do momento – e propícia ao ambiente – “Já Entendi” do jovem artista popular Evaldo Braga, cuja carreira passou como um meteoro pelos dias de nossa meninice. Evaldo nasceu em Campos dos Goytacazes, na década de 1940. As fontes divergem quanto à data correta de seu nascimento. Parece que foi em 28 de setembro de 1947, ou seria maio de 1945?. Ele era conhecido como “Ídolo Negro”. Veio a Itaúna para um show num circo e morreu pouco tempo depois em um acidente de carro na BR-3 (atual BR-040), em 31 de janeiro de 1973, próximo à divisa dos estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais, quando seu Volkswagen TL chocou-se de frente com uma carreta Scania Vabis. Ele tinha 27 anos.
Mas, eu estava falando do parque do Lôli, que funcionava nos dias de festa do Reinado, em agosto cheio de vento e de poeira, nos longínquos anos de 1970. Agosto era sinônimo de brincadeiras de papagaio e, por causa da Festa do Reinado, trazia uma alegria que não cabia em nós, meninos pobres ali das imediações da Laje – eu morava um pouco mais embaixo da Capela do Rosário, na Cava. O Parque do Lôli, com os seus jogos, seus brinquedos e suas músicas – e, claro com as pessoas da família do artista Dolor Cecílio Pimenta (popularmente chamado de LôLi – era um contentamento à parte naqueles tempos para aquela meninada.
Enquanto o Evaldo Braga gritava a plenos pulmões a suas queixas de homem abandonado, no parque montado ao lado da caixa d’água, um pouco mais embaixo, do lado esquerdo da “igreja de baixo”, no famoso “Cantinho do Céu”, as canções eram, também, de grande sensibilidade com enfoque para o fim dos relacionamentos. Diana, a voz feminina mais ouvida por essas bandas, cantava tristemente “Fatalidade”. Odair José, outro grande ídolo da música popular, comparecia com seus sucessos de “fazer chorar quem tem mãe na zona”. Novamente Evaldo Braga, com “Eu não sou lixo” e, até, Nelson Gonçalves, com cara de boxeador e, às vezes, de poucos amigos, invadia as tardes-noites com “Caminhemos”, de Herivelto Martins. O Cantinho do Céu era um pedaço da zona boêmia que não existe mais, há muitos anos. Em seu lugar foi instalado um prédio bacana com uma réplica do Cristo Redentor. Aquela boate singela era uma festa – os espetáculos que aconteciam ali promoviam verdadeiros ‘BO’, dignos do Telecatch – e eu, menino curioso, um espectador dessas “diversões”, impróprias para menores.
Um dia triste, para além das brigas amenas e inconsequentes entre os proprietários, as moças de programas e frequentadores, houve ali um crime passional. Um homem matou friamente a suposta amante, com quem bebera à noite toda e por quem, diziam, não estava mais gamado. Saíra com a moça, de nome Luci, trocando adjetivos pesados. Mais adiante, no escuro da Gonçalves da Guia, próximo de um barranco, enchera-lhe de sopapos, antes de cravar-lhe um punhal no pescoço. Luci não chegou a cair, morrera amparada no barranco e em suas mãos e unhas pedaços de torrão foram encontrados, até mesmo quando estava no necrotério para ser preparada para o sepultamento.
No Cantinho do Céu a radiola tocava uma canção conhecida da Diana: “Por que brigamos?”. Os gritos de alguém que assistira ao crime esvaziaram o bar para o ponto onde Luci foi morta, mas não calou a voz da cantora. A música continuou a dizer às paredes:
“Quanto mais eu penso em lhe deixar
Mais eu sinto que não posso
Pois eu me prendi à sua vida
Muito mais do que devia
Quando é noite de regresso você briga por qualquer motivo
Confesso que tenho vontade
De ir pra bem longe pra nunca mais lhe ver
Ó meu amado, por que brigamos?
Não posso mais viver assim sempre chorando
A minha paz estou perdendo
A nossa vida deve ser de alegria, pois eu lhe amo tanto” …