Que história é essa: Os artistas da música e do teatro na barraquinhas de Santo Antônio

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Relatos memoriais trazidos pelo padre Giovanni van de Laar, numa entrevista que fiz com ele há poucos dias, reacenderam em mim também as minhas reminiscências dos 50 anos da Igreja de Santo Antônio. Em menino eu era vizinho desse bairro – como eu tenho falado, morava ali na Cava, já no quase no final da rua Gonçalves da Guia, próximo da Igreja do Rosário – e assisti, como testemunha ocular da história, desde os primórdios, a construção deste templo do santo casamenteiro. A imagem de Santo Antônio estava instalada no salãozinho vicentino, em frente ao que seria a edificação, no outro lado da rua – avenida Getúlio Vargas com rua Osório Santos. E, no pátio dessa comunidade de São Vicente de Paulo, onde viviam algumas pessoas assistidas, inclusive a popular Rosa Concórdia, aconteciam as “barraquinhas” para angariar fundos para a obra do padre Giovanni. Havia shows artísticos – sob o comando do radialista e ator Naningo Neto, de quem fui amigo anos depois, eu jornalista e ele vereador e presidente da Câmara Municipal de Itaúna. O Naningo, muito boa praça (e um pouco nervoso também) era publicitário de propaganda volante, como seu colega Marcelo do Jubito, o popular Mineirinho. Naningo tinha uma Vemaguet nominada “Leguedê”, que andava pelas ruas da cidade fazendo os reclames comerciais do momento.  Nas noites dos finais de semana a Barraquinha de Santo Antônio corria solta, promovendo um colosso de espetáculos de música e teatro de comédia, como dos circos. Hoje, do alto dos meus sessenta anos, como não lembrar do Baratinha e suas mágicas,  dos palhaços Picolino e Inhá Tuca, dos filhos cantores e músicos do Picolino e da Dona Isabel: Japi, Iarassu, Uiarassu, Paraguassu? Como não se emocionar quando vêm à memória as presenças musicais de Manguinha, Zezinho e Marrinha; de Beto e o Betinho; de Japão; de  João Laranjeira e de tantos outros? E das piadas do velho Naningo Neto? E da sua performance divertidíssima da ‘Sanfona da Véia’, música capira do Raul Torres e do Florêncio? “Eu tenho uma vizinha/ uma véia solteirona/ a danada da véia tá aprendendo a tocar uma sanfona./ E lá na minha casa, escuto todo dia/ a sanfona da véia/ que não sai dessa agonia: nhec-nhec-nhec, a véia é um fracasso/ Inhec-inhec-inhec, ela não sai desse pedaço…”.

Num tempo em que não havia celular, computador, internet, televisão, somente a do vizinho de boa vontade, o rádio era nossa distração. Claro, havia uma infinidade de brincadeiras nas ruas e, também, as barraquinhas da igreja, os programas musicais e de humor de auditório da Rádio Clube de Itaúna. Foi por causa desses espetáculos que eu me apaixonei pelo teatro popular e pela música caipira raiz, feita, especialmente, pelos meninos do Picolino, juntamente com o Durval, o Valter da Dona Geralda do Jusa; e pelo trio Manguinha, Zezinho e Marrinha.

E não é que eu estava já planejando escrever sobre isso desde a semana passada e na última segunda-feira, ali na Praça da Matriz, vejo um senhorzinho com cabeça de algodão, meio que familiar, caminhando despreocupado próximo da Banca do Toninho do Geraldo Turruca. Será o benedito? Não, era o velho Marrinha, o músico sobrevivente do trio musical das barraquinhas do Santo Antônio. O Manguinha, radialista e cantor; e o também músico Zezinho, já não estão mais neste plano terreno. Sobrou o Marrinha para contar a história. Havia pelo quarenta anos que eu não tinha notícias do Marrinha e, naquele tempo, não sabia que ele tinha um nome para além do qual se apresentava nas barraquinhas do Santo Antônio no começo dos anos de 1970: Valdir Luiz Marra.  Ele já não é mais aquele jovem sanfoneiro que nos encantava com seu instrumento nas músicas cantadas pelo Manguinha e pelo Zezinho no estilo Pedro Bento e Zé da Estrada, Belmonte e Amaraí,  Caçula e Marinheiro etc. É um senhor de idade, mas bastante esperto, lúcido e conversado. Não fosse a minha falta de (mais) tempo, teríamos esticado aquele dedo de prosa em outras recordações bastante interessantes. Deixei-o, proseando com outro conhecido seu que passara por ali, mas pude ouvir seu comentário a meu respeito: “fico feliz quando lembram da gente de tanto tempo passado, parece até que a gente está vivendo aquilo tudo de novo. E é um rapaz tão novo, né?”.