Sílvio Bernardes
Era comum naqueles tempos passados, quando a gente era criança pequena lá em Sant’Anna do São João Acima, mandar o povo “pra aquele lugar” (?). Este lugar poderia ser para muito longe “onde o Judas perdeu as botas” ou para os “cafundós do Judas”, que poderias ser o correspondente ao “onde o vento faz a curva”. Mas, também, poderia ser um lugar logo ali quando nos solicitavam, sem meias palavras (sic): “vá catar coquinho” ou “vá ver se eu tô na esquina”. Geralmente não eram os meninos que mandavam para esses lugares misteriosos, mas os adultos, com o saco cheio desses pirralhos, que brotavam feito cogumelo. Não sei vocês, mas sempre quando minha mãe falava isso eu me lembrava lá da esquina perto da praça da matriz, de uma lanchonete que a gente conhecia como “Quinota”, onde um dia eu experimentei o melhor bolo de fubá da minha vida. “Vá ver se eu tô na esquina!”. Meu pensamento me levava lá para a lanchonete da Quinota, com todas as suas gostosuras.
Não era nada legal quando os adultos nos mandavam “para os quintos do zinferno” ou “para os raios que os parta”. Havia, de vez em quando, suavidade nos xingamentos ou na vontade de se livrarem daquela gentinha inoportuna e inconveniente – aborrecida, purgante, intolerável. “Vá pentear macaco”, “vá amolar o boi”, “vai caçar sua turma”, “vá caçar um pau pr’ocê subir”, “vá cagar no mato”. O povo era esquisito e os mais velhos não tinham muita paciência com menino aborrecido “empaiando” eles. “Ô menino enjoado! O que eu fiz pra merecer, meu Deus?”. “Sai pra lá, purgante salamargo!”. A molecada se entendia bem – às vezes não – e para se vingar dos adultos impacientes, inventava uma porção de coisas para aborrecer ainda mais o povo mais velho. Era algo como apelidos – muitos dos quais os adultos não sabiam, uma vez que nenhum dos moleques passava recibo dessa insubordinação escancarada. Mas, à boca pequena, o adulto que não gostava que jogasse bola em frente à sua casa ou que implicava com a bicicleta e a patinete no seu passeio, era tratado com as piores ofensas deste mundo: oreia de abano, bunda seca, grilo falante, chita do Tarzã, bambu vestido, pudim de cana, beiço de beirada de pote, jacaré de quatro oio, macarrão da santa casa, porquinho xereta… E, nas mais das vezes, a molecada armava alguma para pegar o infeliz e o jogá-lo numa esparrela que o envergonhasse até a terceira geração. Amarrava um cadarço do sapato no outro enquanto o coitado rezava genuflexo na igreja. Trocava o número da sua casa com o do vizinho. Passava trote por telefone, “fazendo hora com a cara do freguês”. Pegava-o na brincadeira da cobra no escuro (feita com espada-de-São Jorge) ou em armadilhas nos atalhos dos caminhos – para isso, a meninada fazia buracos por onde o dito cujo ia passar, enchia de bosta e cobria com folhas e gravetos. Abria as gaiolas dos passarinhos no seu quintal. Soltava bombinhas no alpendre de sua casa. E inventava mil e uma peripécias para desforra contra aquele inimigo número um. A quem sempre se referiam pelo apelido nada carinhoso ou por adjetivos pejorativos: o maldito, o tinhoso, o cão, o babão, o boboca, o feioso, o fii da égua, o lazarento, o peidorreiro, o catarrento.