Sílvio Bernardes
Tomei parte essa semana de uma cena inusitada, onde grupos de estudantes se despediam do ano letivo da forma mais divertida que poderiam fazê-lo, para além das festinhas de salgados e refrigerantes – e amigo secreto e muita confusão na hora de comer e beber. A cena bacana com que me diverti – e me lembrei da minha própria meninice dos tempos de colégio – foi a distribuição de assinaturas na blusa de uniforme do (a) colega. Até eu, velho professor de História, fui convidado a autografar mais de uma camiseta daquelas crianças do sexto ano do ensino fundamental II. Foi divertido sim. Emocionante. Algumas meninas encheram os olhinhos de lágrimas ante a despedida das amigas – embora o ano letivo ainda não tenha encerrado e os dias de escola continuam até às proximidades do Natal.
Na escola repleta de crianças e de lições da educação – vá lá – infantil, tenho aprendido muito e convivido com algumas situações que eu havia esquecido e sequer imaginava ainda existir nesses tempos de “modernidade líquida”, como ensina o sociólogo Zygmunt Bauman. Algumas brincadeiras, falas e, até, conceitos do passado, vêm à tona incorporados por crianças que ainda não completaram 12 anos. Essas crianças nos ensinam, nos corrigem e nos fazem refletir. É claro que nos dão também respostas – sobretudo do conteúdo de História – as mais absurdas e estapafúrdias.
Outro dia dei como tarefa em sala de aula uma lista de ditados populares – coisa de gente velha, analógica, do século passado – para que as crianças completassem seu significado. “De grão em grão a galinha…”. “Galinha que acompanha pato…”. “Em boca fechada não entra…”. Muitas dessas crianças conheciam grande parte da minha lista e, as que elas não sabiam, pedi que buscassem noutros ambientes da escola alguém que as auxiliasse; outras pessoas mais antigas, como eu. Foi muito divertido e a maioria dos estudantes pediu que repetisse aulas como essa.
Houve uma ocasião em que estudamos a Roma Antiga e, claro, expliquei sobre o mandato violento e dominante dos imperadores. Chamei a atenção da meninada para os circos dos horrores das lutas de gladiadores e dos espetáculos de assassinato de escravos e cristãos na arena do Coliseu, do “pão e do circo”… imaginem a energia e o cheiro desses ambientes? Pois bem, o professor pediu que cada aluno listasse cheiros agradáveis e desagradáveis para o seu olfato e, num jogo diferente, solicitei que cada um cumprisse a tarefa de levar alguns objetos com forte cheiro (bom e ruim) e o (a) colega, de olhos vendados, deveria descobrir do que se tratava. Foram momentos de muito aprendizado e diversão.
Gosto de ensinar História fazendo uma conexão com a realidade dos alunos e busco sempre inspirá-los ao pensamento reflexivo sobre esse ou aquele fato do nosso programa de ensino – muitas vezes enfadonho. “Cada um de nós compõe a sua história/ E cada ser em si carrega o dom de ser capaz/ De ser feliz”, como diz o poeta Almir Sater.
O resgate do passado através de interações sadias, lúdicas e divertidas, tem sido o propósito para além do seu dia a dia dominado pelo uso do celular – tão importante para o nosso desenvolvimento cognitivo. Vivemos tempos difíceis e as artimanhas desse aparelho podem complicar a vida dos incautos.
Assim, as blusas de uniforme repletas de assinaturas, rabiscos e mensagens de carinho, constituem numa divertida viagem a outros tempos em que vivi, quando a vida era mais devagar e inconsequente.
E eu não tirei fotos dessa algazarra, apenas fiquei observando e lembrando.