Que história é essa? Retrato em preto e branco

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Sílvio Bernardes

Dias desses, numa manhã de segunda-feirosa, estive na Escola Estadual Dona Judith Gonçalves, para uma palestra (kkk) sobre a “história de Itaúna”. É claro que eu não sou palestrante e da história de Itaúna eu gosto mesmo é das anedotas, como dizia o outro. Preferi contar histórias (ou seria estórias) sobre a cidade e sua gente. ‘Lendas urbanas,’ como falou a minha colega professora Selma, que me convidou para o referido encontro. Eu comecei minha prosa a partir de uma fotografia de que eu gosto muito. Será que é do Benevides Garcia? Será o Benevides? O retrato, que tenho emoldurado aqui no corredor de minha casa e que um dia vi, embevecido, já faz muito tempo, na parede da sala na chácara do Dr. Guaracy, lá na barragem – e que me tomou um tempão olhando cada detalhe –, é este com que tento penetrar como numa máquina do tempo.

A imagem, que vocês veem um pouco acima, retrata um pedaço de Itaúna e de sua história, de um tempo em que eu, menino descalço, imberbe e de calças curtas, pontifiquei por esses lugares. Já faz muito tempo isso. E, é claro, que o retrato em preto e branco, é bem mais antigo do que esse que lhes escreve. Mas ainda assim, muito dessa paisagem retratada foi minha um dia. E foi essa imagem que deu origem à minha conversa com os alunos do Ensino Médio da Escola Judith Gonçalves numa manhã de outono.

A imagem principal é a da Praça da Matriz, mas o pano de fundo nos conduz a outros caminhos – e memórias. Lá no alto, a capela do Rosário espia toda gente cá embaixo, no centro da bucólica cidade. Antes disso, vemos a rua da Zona, com suas casinhas simples, que indica que a Coréia é aqui, onde tem “prostitutas bonitas para a gente namorar” – como escreveu o poeta Manoel Bandeira em sua “Vou-me embora pra Pasárgada”. Não dá muito para ver, mas eu vi – novamente –, ao lado da Igreja do Rosário, o “Cantinho do Céu”, um arremedo do “Bataclan”, da Gabriela do Jorge Amado, com mulheres que se ofereciam, com radiola de ficha, com luzes vermelhas num botequim pra lá de   charmoso e onde um dia eu me apaixonei perdidamente – por quase uma semana – por uma mulher linda, de pernas muito brancas e roliças, que vestia uma minissaia, curtíssima, incoercível. Enquanto dançava com um moço moreno, magricelo, de bigode fino, cabelo emplastado de gomalina e todo sorridente, ao som da Diana, que cantava “Por que brigamos?”, ela nos deixava, candidamente antever suas protuberâncias e reentrâncias por baixo da saia, da calcinha azul claro.  

Descendo a rua, vemos o Grupo José Gonçalves de Melo, onde estudei as primeiras letras –  sorri e sofri amargamente diante do inolvidável mundo escolar – e em que sonhei os primeiros sonhos de amor da minha mocidade. A casa do Zé Herculano, a lanchonete da Quinota,  um pedaço da casa do Artur Vilaça, o posto de gasolina do Bossuet, a casa do Zé Mendes Nogueira e a Princesinha, o restaurante Rodoviário – e os ônibus da modesta e inconsútil estação rodoviária. Os carros de praça dos choferes que levavam e traziam os bons da grana da cidade que se insinuava. Será que o chofer de praça Benevides Garcia figurava entre esses? Não, se ele fosse o retratista do retrato em preto e branco. Mas o automóvel dele estava ali, na mesma praça.

E o povo na Praça da Matriz nessa imagem? Quem é esse povo, meu Deus? O que eles estão falando? Que data é essa? Será que é um dia de festa? Tem uma tabuleta ali – que eu não consegui ler – e que me parece ser do cinema, do Cine Rex. Ou seria do Teatro Mário Matos? 

Não sei vocês, mas essa fotografia me causa muita curiosidade. É intrigante, ao mesmo tempo em que é extremamente familiar.

Itaúna, terra querida!