Sílvio Bernardes
“Criança infeliz/ quebrou o nariz/ foi para o hospital/ tomar Sonrisal/ se eu fosse o Pelé/ tomava café/ se eu fosse o Tostão/ tomava quentão.” (canção da nossa molecada)
De primeiro não havia esse colosso de novidade em lojas de brinquedos, nem no dia das crianças e nem no Natal. Havia uma coisinha aqui e outra ali, mas era só. Também eu penso que não havia tantas lojas de brinquedos na minha pequena cidade como existem hoje em dia. Eu me recordo de uma meia dúzia somente, e que não era tão sortida assim. As vendinhas, os armazéns de secos e molhados e as lojinhas que ofereciam de tudo um pouco misturavam penicos e caçarolas com bonecas de papelão e carrinhos de plástico, mais feijão, fumo, queijo, querosene, rapadura e linguiça. Era tudo junto e misturado, como diz o outro. A meninada do meu tempo, useira e vezeira das brincadeiras de rua, não tinha muita paciência (e quase nenhum dinheiro) para os brinquedos de lojas. A molecada gostava era de construir o seu próprio brinquedo, as baratinhas de rolimã e os caminhõezinhos de lata, por exemplo. E havia até muita disputa entre aqueles pequenos fabricantes de brinquedos para saber de quem era o mais bonito, o mais bacana, o mais criativo. A semana da criança era, lá atrás, um período sem muita diferença das demais semanas de outros meses do ano.
Agora, na escola, havia uma porção de coisas legais na semana da criança. A gente ganhava lanches diferentes: pão com salame e “quissuqui” – que nos deixava a todos com um bigodinho escarlate –, picolés, balas, chicletes e uma semana inteirinha com brincadeiras substituindo as aulas. Teve uma ocasião em que a gente fez excursão pela cidade, depois, viajamos por fazendas distantes. Noutra época, passeamos de trenzinho da alegria e de ônibus jardineira. E durante o horário de aulas, na semana festiva, havia apresentações artísticas no pátio da escola. Teatro, música, jograis com poesias. Ah, se me lembro… Cecília Meireles, Cassiano Ricardo, Gonçalves Dias, Henriqueta Lisboa, Castro Alves. E havia, também, as ‘histórias da Carochinha’ na biblioteca – contadas por uma adorável senhorinha, míope, meio dentuça e de voz delicada –, filminhos de slides, gincana com milhões de jogos. Na semana da criança a gente não tomava reguada das professoras e os eventos não permitiam que ganhássemos castigos, cópias de fazer doer as mãozinhas e xingamentos terríveis das amáveis educadoras – encolerizadas e vermelhas como um camarão. Era uma maravilha a semana da criança no meu grupo escolar.