Sílvio Bernardes
De primeiro não havia “outdoor” e, muito menos, painéis luminosos nas ruas da cidade. A comunicação de que dispúnhamos, muitas vezes, era a dos cartazes, dos desenhos feitos à mão, dos escritos em placas, faixas e muros. Na época da política, os candidatos se antecipavam à sua própria figura através dos nomes inscritos nos muros. Muitos desses ficavam apenas nos muros – por muito tempo – e pouca gente conhecia-os pessoalmente. Eu mesmo vim a conhecer algumas das nossas mais destacadas personalidades políticas, primeiramente pelo nome nos muros: deputado Otacílio Miranda, vereador Nélson Ferreira, prefeito Hidelbrando Canabrava Rodrigues, prefeito Célio Calambau, Senador Itamar Franco… Faixas de pano – escritas com letras garrafais – eram amarradas em postes e árvores para vender produtos, anunciar espetáculos artísticos e candidatos a cargos políticos. Eu me lembro de um artista que ficou famoso nesse ramo de pintura de faixas por aqui, o conhecido por Heli Jaó. E, sempre junto com o Heli, estava o Didi da Vila Mozart – que a todos chamava de Padrinho –, que cuidava de colocar as faixas nos lugares de maior visibilidade. O Didi era o maior.
Os vários sinais de comunicação ficaram marcados para o menino de calças curtas que um dia eu fui lá atrás. Desenhos do Galo e da Raposa – símbolos do Clube Atlético Mineiro e do Cruzeiro Esporte Clube, respectivamente – feitos no portão da casa da “nossa” madrinha Elisa Inácia Soares, são inesquecíveis. As imagens bem feitas eram obras de um dos filhos do Nero da Delegacia (genro da dona da residência), não sei se o Saulo ou o Sérgio. Hoje não existe mais a casa, muito menos o portão e os desenhos. O povo de lá, também, só existe na memória desse escrevinhador. Outro sinal marcante da minha meninice – há algum tempo desaparecido por força da especulação imobiliária – é uma pintura de dois veleiros num mar muito tranquilo, feita na parte da frente da casa da professora de datilografia dona Elza, bem próximo dos Correios e do Colégio Sant’Ana. A casa foi vendida e um novo prédio, moderno e esquisito, foi erguido em seu lugar há algum tempo. No antigo Clube União a figura gigante de um palhaço de boca aberta, bem na porta, era o prenúncio das matinês de Carnaval: “quanto riso/ oh quanta alegria/ mais de mil palhaços no salão…”.
Na praça da matriz, pequenas tabuletas espalhadas pelas alamedas davam notícias dos filmes do Cine Rex e do Cine Bagdad. As tabuletas eram pintadas com tinta à base d’água pelos artistas Sullivan e Luiz Spínola, o popular Luiz Tatu. Este último também era dublê de locutor de rádio. “O Cine Rex apresenta… E o vento levou…”. Também outros artistas pintavam e expunham suas tabuletas na praça da matriz para anunciarem que o circo chegou: “luxuosamente armado no campo da várzea”. E alguns restaurantes colocavam nas tabuletas na calçada o prato do dia, como o Kaol e o PF. Os sinais de fé – ou os sinais da cruz – eram os cruzeiros fincados em várias partes da cidade e na zona rural. O mais marcante para mim era o do Alto do Rosário – que ainda não foi derrubado pelo progresso. Ainda está lá a grande cruz de madeira, em frente à capela de Nossa Senhora do Rosário. Aos seus pés a gente não se ajoelhava, mas sentava-se, para prosear e brincar de um colosso de coisas de menino. Naquele cruzeiro muitos devotos levavam água, flores, velas e orações pedindo aos santos de sua predileção chuva mansa e duradoura. Também por ali algumas pessoas faziam despachos para outros santos com velas coloridas, garrafas de cachaça, galinha preta e farofa.
Nos estabelecimentos comerciais pequenas placas davam notícias de tudo, dos produtos ali vendidos, da proibição de certos abusos e até listas de clientes inconvenientes, inadimplentes – os chamados maus pagadores. A nossa memória dá conta de algumas dessas placas bastante rudimentares, algumas com evidentes erros gramaticais: “proibido entrar 100 camisa”, “Gentileza não cuspir no chão”, “não urine fora do vaso e, ao final, dê descarga”, “proibido entrar armado” e a clássica: “Fiado só amanhã”.