Que história é essa? Um caroneiro muito folgado ou de como um intrépido besouro deixa a tranquilidade do interior e se muda para Belo HorizonteQue história é essa?

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Sílvio Bernardes

Indo para Belo Horizonte num passeio de fim de semana notamos, no carro,  um passageiro inconveniente, um besouro desses, tipo escaravelho. Não é, definitivamente, o “escaravelho do diabo”, contado pela Lúcia Machado de Almeida. Era um besouro preto, tranquilo. Foi minha afilhada Duda quem deu pela presença do folgado caroneiro, acomodado num espaço de colocar coisas, bastante apropriado, perto da porta direita do passageiro. Como já estávamos pra lá de Betim e ele parecia tranquilo, sem qualquer intenção de querer sair, deixamos ele seguir viagem com a gente. Eu, Márcia, Duda e ele. Todo mundo indo pra BH, pra um weekend de niver de alguém muito especial, tipo eu. E eu, do nada, mas me sentindo muito especial, me lembrei da Blitz (não da puliça dando blitz, mas da banda do Evandro Mesquita e da Fernanda Abreu), que cantava: “Eu só quero passar/ Um weekend com você (eu também)/ Um weekend com você/ Eu só quero passar/ Um weekend com você”. Estávamos indo encontrar com a Anna Bella na nossa Belo Horizonte. Mas o besouro estava ali, quietinho, ouvindo nossas conversas e a música do carro, uma pleilisti de MPB, talvez acreditando que fazia parte daquele grupo. No começo a Duda não estava muito tranquila com aquele bicho ali do lado, que olhava meio de soslaio para ela. Aliás, a mocinha estava bastante incomodada e eu, solícito, até tentei tirá-lo dali e jogá-lo pela janela, acreditando de verdade que ele iria sobreviver e, talvez, pegar carona noutro veículo, um caminhão ou um ônibus grandão e seguir para uma viagem mais longa. Mas, parece que ele não quis sair. Não conseguimos tirá-lo do nosso carro. Chegamos em Belo Horizonte sem problemas. Aliás, uma viagem tranquila num feriado de Finados… aqui, lembrei-me do poema do Manuel Bandeira, que eu sei de cor desde os tempos de minha mocidade: “Amanhã, que dia de Finados/ Vá ao cemitério, vá/ e procure entre as sepulturas/ a sepultura de meu pai./ Leve três flores bem bonitas/ ajoelhe e reze uma oração/ não pelo pai/ mas pelo filho/ O filho tem mais precisão.”.

Voltando ao escaravelho – será que esse besouro é mesmo um escaravelho? –, chegamos em BH. E antes de qualquer coisa, tirei o bichinho do carro e procurei um lugar bem legal para acomodá-lo. Uma árvore plantada em plena selva da cidade, na Rua São Paulo, quase esquina com a Avenida Amazonas, no centro de BH, foi minha escolha. O escaravelho, parece que gostou de sua nova casa, agarrou ao tronco da árvore com força e em seus olhos miúdos eu poderia ter notado um sinal de gratidão, por ter poupado sua vida e, também, pela carona de Itaúna a BH. Por certo ele queria mesmo deixar essa vidinha do interior e tentar novos ares na capital. Talvez ali encontre novas perspectivas, um novo amor, outra razão de viver. Longe da calma e tranquilidade do interior, o besourinho está agora vivendo novos tempos, na agitação diária do centro de Belo Horizonte, sentindo no ar cheiros diferentes – da multidão que por aí passa o tempo todo (cheiro bom e cheiro ruim), dos pasteis da Galeria Ouvidor, da brisa da manhã e do vento frio da madrugada – e ouvindo os sons da rua: “compro ouro, avalio ouro!”; “água mineral, água geladinha!”…

Um dia quero voltar ali e tentar rever o escravelho preto, meio que companheiro de viagem involuntário. Só não prometo trazê-lo de volta para Itaúna, essa cidade está muito parada, meio sem graça.  É melhor ele ficar por lá, “pois não há lugar melhor que BH” (como diz a letra da canção).