Sílvio Bernardes
O valentão da música de Dorival Caymmi, cuja lembrança nos é mais presente na voz de Elis Regina – “João Valentão é brigão/ pra dar bofetão/ não presta atenção e nem pensa na vida/ a todos João intimida/ faz coisas que até Deus duvida…” – também teve sua versão aqui na minha cidade. Aliás, em muitas versões. De primeiro, havia um valentão em cada esquina e, ao que eu saiba, nenhum deles foi valente o suficiente para enfrentar o outro, aquele seu igual em fama e muque. É assim como na versão cinematográfica da famosa obra literária do Ariano Suassuna: “O Auto da Compadecida”, onde pontuam de forma patética os valentões Vicentão e Cabo Setenta. Ali, um deles é muito valente… mas somente quando o outro não está por perto.
Por aqui, os valentes povoaram a nossa infância com histórias incríveis de exibição de força física e excesso de maldade contra aqueles considerados fracos. Mas, muitos dos moleques da minha turma admiravam esses homens bravos (brutos, brutamontes, barra-pesada, maludos…) por aquilo que julgavam como excessiva coragem. Essa situação decorria da influência que exerciam sobre todos nós os filmes de faroeste e, posteriormente, os de luta em estilo kung Fu. Quem não sonhou em ter a infalibilidade de um Bruce Lee, a ação calculada de um Charles Bronson ou a rapidez do gatilho de um John Waine? Havia entre a molecada quem torcia francamente para o vilão. Ponto para os nordestinos Virgulino Ferreira da Silva e Cristino Gomes da Silva Cleto, os temidos Lampião e Corisco – o Diabo Louro, respectivamente. Com essa sanha, a gente meio que admirava – e até imitava – os valentes mais próximos, aqui da nossa paróquia. Não vou citar nome para não ferir suscetibilidades. Muitos desses já não habitam o plano terreno há muito. Foram para a terra-dos-pés-juntos ainda moços, no auge da sua valentia, derrotados por outros mais valentes ou espertos. E outros, porventura ainda encarnados, não representam nem sombra da glória de valente – e de perigoso – que conquistaram no passado. Eram pessoas que exibiam músculos e cara fechada. Alguns metiam medo pela cara feia ou a arma que manipulavam. Outros, por manejarem bem instrumentos de luta marcial. Havia valentões que enfrentavam a polícia e derrubava uma meia dúzia de soldados com alguns sopapos e pernadas três por quatro – sem ao menos se despentearem. E havia ainda policiais tidos com valentes, mas cuja fama indicava evidentes abusos de autoridade, especialmente contra mulheres. E em alguns lugares mais de um da família era temido pela valentia ou pelo excesso de maldade. De primeiro o povo contava que lá no Serrado havia uma família em que até as mulheres eram perigosas. Deus me livre!
E os valentões andavam por aí, metendo medo, causando inveja em rapazes e provocando certo frisson nas mocinhas ingênuas. Lembro-me de um, em especial, que frequentava os arredores da zona boêmia. Tinha um físico de Stallone nos tempos do Rambo e do Rock Balboa, e sua celebridade o acompanhava com grande estardalhaço entre os meninos, rapazes e mocinhas da minha época. Mas, ele perdeu grande parte dos admiradores por causa de uma notícia policial em que figurava como personagem principal. Ele fora acusado de espancar com muita violência uma senhora que dele se enamorara. A moça quase morreu tamanha a sova do lutador e desde então sua fama passara a ser de “covarde que bate em mulher”. Outro valentão era um perigoso matador, cuja habilidade com o punhal assustava qualquer um só de ouvir seu nome. Conta que certa vez o porteiro de um baile o abordou sobre a impossibilidade de ingressar ao salão portando arma, ele não pensou duas vezes, tirou o punhal e cravou-o na barriga do sujeito com uma ironia que correu de boca em boca por muito tempo: “então, maluco, guarda ele aí pra mim”.
Mas, como diz o outro – com muita propriedade –, todo valentão acaba encontrando um fracote que o derrube. Muitos daqueles afamados brigões da minha meninice tombaram-se – literalmente, ou pelo esquecimento que o mundo moderno providenciou.