Sílvio Bernardes
Os vendedores das ruas estão voltando – como os pardais e as borboletas nos pequenos jardins que enfeitam a cidade –, apregoando alto e bom som suas mercadorias: laranja, laranja, laranja; batata, ora as batatas! Abacaxi da massa amarela; melancia doce como mel, uva, ovos, morango, sorvete e picolé, pão, vassoura… Antigamente era muito comum nos bairros da minha cidade os caminhões e vendedores a pé passarem com muita frequência (e insistência) pelas ruas com suas cornetas esgoelando os trens que vendiam… “barato que só vendo”. Os pregoeiros de negócios que andam pelas ruas têm um jeito especial de anunciarem sua mercadoria, muitas vezes são ininteligíveis, ainda que a voz é de locutor de rodoviária: “venha freguesa, venha aproveitar; aproveitar, freguesa, aproveitar as ofertas do caminhão”; “laranja, laranja, laranja… é uma sacolada de laranja e só paga déi real”; “melancia doce, doce melancia, melancia bitela, melancia doce, melancia vermelha e docinha, melancia quase de graça”; “pão sovaaaaaaaaado. Sovadinho, pão doce, broa e biscoitos da roça. Quitandas frescas!”. Um dia desses me assustei com um caminhão aqui na minha porta e um sujeito que parecia gritar: “Ói a goiaba, bicho de goiaba minha freguesia. Bicho de goiaba, só aqui no caminhão!”. Ahn, bicho de goiaba? Não ouvi isso. Minha memória me leva aos tempos de minha meninice onde a gente, que brincava na rua, ficava docemente animado com os sons que viam de longe. Eram os pregoeiros de mercadorias as mais variadas: maçã argentina (com aquele papelzinho roxo que estendia o cheirinho gosto gostoso por muitos dias); laranja, melancia, batata, uva, ovos – “ovo e uva, ô viúva!” – abacaxi, panelas, caçarolas, tachos de cobre e até pintinhos amarelinhos que piavam tristes e desesperados, espremidos em caixas de papelão (coitadinhos). Os velhos caminhões Fenemê traziam de tudo para a nossa vida simples e a maioria dos produtos passava longe das nossas posses pecuniárias. Ficávamos só na vontade. Chupando o dedo e doidos para que alguma caixa de uva ou uma sacola de laranja caíssem do caminhão numa distração do vendedor.
Agora há pouco, aqui no centro da cidade, parece que ouço alguém vendendo véia… perdão, vela. Velas para a procissão. “Ói a vela, a vela…”. Lembro de minha infância e já faz muito tempo: a Praça da Matriz arroiada de gente para a procissão do enterro na Sexta-Feira da Paixão e os meninos – meus irmãos mais velhos, o Marcinho e o Carlinhos, inclusive – vendendo velas. Os donos do negócio eram os irmãos Debique, Jair, Oscar e Gentil, fios da Dona Amélia. A molecada toda da minha região vendia as velas dos Debique em sacolas de pano (capangas), ganhava seu dinheirinho gritando pelas ruas – “Ói a vela! Ói a vela! A véia, a véia!” – e se divertia com tudo aquilo, principalmente quando um povo queimava os cabelos do zoto na procissão. Eu nunca gostei de vender vela. Gostava mesmo era de vender picolé Cremel e Eskimone. “Ói o Cremel! Ói o eskimone! Ói o picolé!”…
Os picolés da minha caixinha de isopor derreteram e se escorreram feito água, como o tempo e muitas das lembranças da minha meninice.