Que história é esta? Por quem os sinos dobram?

"Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; todos são parte do continente, uma parte de um todo (...) E por isso não pergunte por quem os sinos dobram; eles dobram por vós". (JOHN DONNE, 1572-1631 - Meditações VII)

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Não me lembro da última vez que ouvi o sino da igreja matriz de Sant’Ana. De primeiro, era comum o sino dobrar – e promover uma melodia inigualável – em ocasiões especiais, de vida e de morte. Nas festas da padroeira ou nas semanas santas o sino tocava com grandiosidade anunciando o evento e chamando os fiéis à participação. Também nas solenidades fúnebres o dobrar do sino corroborava do réquiem da sociedade em homenagem sentida.

Por quem os sinos dobram? Ou melhor, por quem os sinos dobravam? Acho que era por mim, por você, por todos nós. Eu ficava muito emocionado quando ouvia o sino tocar. E ficava curioso para saber uma porção de coisas: quem tocava o sino, quem foi o artista que o pendurou lá nas grimpas da igreja – no campanário, onde as andorinhas passeiam quando o sino faz silêncio – quem ensinou a música ao tocador do sino, toca-se o sino ou dobra-se o sino e, por fim, a doença sinusite tem alguma coisa a ver com o sino ou o seu badalar?

O anúncio das missas era feito com o dobrar do sino. Um dobrar insistente: “anda gente que o padre já está no altar!”, parecia dizer o bléin -bléin do grandioso instrumento. Em cidades, como São João Del Rei, o ofício de sineiro é de uma responsabilidade muito grande. Há todo um aprendizado criterioso para tocar o sino e as igrejas promovem festividades com os sinos rebimbando por todas as quinze bandas.  É uma festa muito bacana de bléin-bléin-bléin. Lá na igreja do Rosário, no alto do morro, eu também experimentei tocar o sino em momentos que antecediam a novena da santa para a Festa do Reinado. Creio que de tanto insistir com o zelador da igreja, um homenzinho branco e já bastante velhinho, que atendia pelo nome de Zé Conquista, fui aceito como ajudante de igreja – uma espécie de sapo de sacristia. Eu não era um coroinha, tampouco  um sacristão, era sim, um arremedo de acólito na preparação dos ofícios.  Ainda assim, inchava-me de orgulho daquela função e tocar o sino era o que havia de mais prazeroso para aquele moleque.

Voltando à matriz de Sant’Ana, na minha mocidade ouvi muito o badalar do sino chamando a nós todos para a missa do Galo, à meia-noite do dia 24 de dezembro. Era uma emoção indescritível. Ainda hoje ouço aquela melodia e percebo as cenas daqueles momentos, daqueles tempos românticos. E não sei por que, com elas me vem à memória a desesperançada canção “Boas festas” de Assis Valente: “Anoiteceu/ o sino gemeu/ e a gente ficou/ feliz a rezar…”.