*Toni Ramos Gonçalves
Na rotina acelerada de nosso dia a dia, sou levado a trabalhos aos bairros nobres e periféricos da cidade e, na maioria das vezes, às comunidades rurais, o que me traz um alívio ao estresse e à correria da vida urbana. Foi no povoado de Vista Alegre que tive a honra de conhecer o Zamiro Gonçalves Rabelo ou, simplesmente, “Seu Zamiro”.
Desci do carro, apertei a campainha do portão. Um cachorro imenso veio latindo em minha direção e enfiou o focinho entre as grades em busca de um afago. No curral ao fundo da casa, vejo um senhor trazendo na mão direita uma vasilha, possivelmente o leite ordenhado no dia. Desconfiado como qualquer mineiro, se aproxima e me reconhece. Aciona o controle remoto que tira do bolso da calça para que eu possa entrar. O saúdo com um bom dia. Sua mão magra e áspera tem um aperto forte. Nos seus 95 anos, esbanja saúde e lucidez. Ele tira o boné mostrando seus ralos cabelos brancos e mira o céu nublado com seus olhos azuis e miúdos.
- Hoje o tempo está bom para você trabalhar. – diz acompanhado de um leve sorriso.
Como eu trabalho sozinho, ele se dispõe a me ajudar, transportando a maleta de ferramentas, sempre prestativo. Ao final do serviço, me oferece um café, que não recuso, e, sentados na varanda, proseamos por quase uma hora.
- Depois da Pandemia, quase não saio de casa. Passo a maior parte das minhas horas cuidando da horta e da criação de aves. Espia lá. É bonito aquele pavão, né? – diz apontando o dedo trêmulo na direção do viveiro.
“Seu Zamiro” nasceu no povoado de Aroeiras, hoje pertencente ao Município de Itaguara, no longínquo 1927. Vasculha o terreno distante da memória, às vezes fechando os olhos, como se tudo ainda fosse um fato recente. Começou a trabalhar com o pai na lavoura aos 10 anos de idade. Ele e os irmãos, todos foram cedo para a roça.
- Até parece que nasci com uma enxada na mão. – diz dando uma risada tímida. – Eu até fui para a escola, mas gostava mesmo era do trabalho.
Em 1975, mudou-se para Itaúna, onde arrendou, por 15 anos, um terreno no Retiro dos Faria, uma comunidade vizinha, onde plantava milho, feijão e cuidava de algumas vacas. Foi com o seu suor derramado no campo que cuidou dos oito filhos. Casado há 67 anos, tem 6 netos e um bisneto. Aposentou-se aos 75 anos.
Revelou que teve uma vida boa, apesar das inúmeras dificuldades, e ainda me relatou um dos seus muitos causos. Um deles foi de uma mulher enferma que precisava ser internada com urgência num hospital. Foi alertado pelo médico, ao dizer que ela não resistiria se não fosse transferida. Então ele e mais um amigo tiveram que viajar durante a madrugada numa carroça de bois, transportando-a, para chegar noutro povoado antes do amanhecer, para que ela fosse levada, no caminhão do leiteiro, até a cidade de Itaúna. Graças a Deus, chegaram a tempo e, dias depois de internada, a mulher se recuperou, vivendo por muitos anos.
Perguntei o segredo de sua longevidade, e ele, orgulhosamente, disse que sempre foi saudável, que, apesar da idade, usa pouco remédio e fez questão de evitar o fumo e a bebida alcoólica durante toda a vida.
- Envelhecer com saúde até que é bom! Hoje, não tenho obrigação de mais nada e faço tudo quando quero. – concluiu.
Despedimo-nos ali mesmo na varanda, com o cachorro esbarrando entre minhas pernas. Prometi voltar noutra oportunidade para ouvir um pouco mais sobre sua história. Ao atravessar o portão, o vi acenar pelo retrovisor central do carro e se dirigir a passos lentos em direção à casa.
*Toni Ramos Gonçalves é escritor, graduando em Jornalismo e História.