As bolsas e o risco de um apagão na Ciência

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Marco Túlio de Sousa

Convido você leitor a se colocar na seguinte situação: você trabalha o ano inteiro, faz compromissos financeiros e, de repente, o patrão diz: “cara, não tem salário esse mês”. Você ficaria revoltado e indignado e eu te daria toda razão. Afinal, você trabalhou no mês anterior e é direito seu receber por isso. Esse absurdo acabou de acontecer com 200 mil pesquisadores brasileiros que de uma hora para outra ficaram sabendo que não iriam receber as suas bolsas (seus salários). Isso deveria revoltar e indignar a todos, mas tenho visto apenas poucos órgãos da sociedade civil, basicamente aqueles formados por coletivos de pesquisadores e estudantes, se manifestarem. Se você é alguém que valoriza e reconhece a importância da Ciência também deveria se importar com esse assunto. Permita-me conversar mais com você sobre o assunto.

Atualmente, a Capes e o CNPq, agências do Governo Federal que financiam a pesquisa no país, pagam 1500 e 2200 reais mensais respectivamente para alunos de mestrado e doutorado, valores que, convenhamos, são insuficientes para o sustento de um profissional graduado que reside em grandes centros urbanos. Saiba que esse valor não conta como contribuição previdenciária, o bolsista não tem direito a 13º ou fundo de garantia quando conclui o curso e defende a sua dissertação ou tese. O beneficiado, salvo raríssimas exceções, também não pode ter vínculo empregatício e tem de cumprir diversas exigências para manter a bolsa. Em alguns programas pós-graduação uma nota mediana em disciplina ou o não cumprimento de metas de produtividade representa a perda do sustento. Você deve estar pensando: “caramba, muitas exigências”! Sim, caro leitor. Muitas! Hoje, as pressões levam diversos pesquisadores a adoecerem. Além das dificuldades financeiras, me preocupa a saúde física e mental dessas pessoas que contavam com seu salário e agora vivem na insegurança.

Preocupa-me também os impactos decorrentes para a Ciência brasileira. Um verdadeiro apagão pode acontecer caso haja, por exemplo, um abandono imediato em massa dos bolsistas dos seus programas de pós-graduação. Veja, não apenas as dissertações e teses ficariam comprometidas, mas também milhares de projetos desenvolvidos pelos professores de universidades públicas e privadas que recebem recursos federais. Hoje, nos laboratórios e grupos de pesquisa, o bolsista é um verdadeiro “operário”. É ele quem, muitas das vezes, vai acompanhar mais de perto um experimento que exige cuidados diários, quem vai redigir as primeiras versões de artigos que serão submetidos à revisão posterior do orientador para encaminhamento a um periódico onde serão apresentadas descobertas, quem cuida da divulgação científica do que é feito na universidade, e, por fim, quem irá comandar a Ciência no país nas próximas décadas.

Tudo isso pode ficar comprometido de uma hora para outra. Como exigir que alguém continue a trabalhar sem saber se será pago por isso? Você trabalharia sem receber? Ciência não é caridade, é trabalho. Um trabalho que é levado a sério em qualquer país sério e que deveria ser levado por aqui também. E aí, você importa? 

Dr. Marco Túlio de Sousa

Professor do curso de Jornalismo da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), doutor em Comunicação. Recebeu da CNBB o prêmio Papa Francisco pela sua tese de doutorado.

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