Sílvio Bernardes
Memórias da Rua São Benedito
Um dia desses, voltando da redação do S’PASSO para casa, mudei um pouco minha rota de costume e passei por um caminho que eu fazia com frequência na minha infância, a rua São Benedito. Ali, por aquela via relativamente pequena e de casas simples, voltei ao tempo e revi pessoas e situações que povoaram a minha meninice. Vi escombros da casa da Dona Geralda de Souza, que vendia bolos deliciosos feitos de fubá e erva doce. Juro que senti novamente o cheiro daquelas quitandas caseiras. A doce Dona Geralda nos recebia com presteza e simpatia atendendo a solicitação ansiosa de uns meninos gulosos: “tem bolo?”. Ela saía pela casa arrastando seu chinelo de borracha, num piso de vermelhão, e trazia, ainda quente, o tabuleiro com aquelas delícias em pedaços. Revi também a casa da Dona Geralda do João Chico, e, quase geminados, os barracões do Tica, da Vicentina e da Lia do João Chico – esta, me chamava de “feijão com angu”, porque era a comida de que eu mais gostava naqueles tempos lá no bairro Santo Antônio. Por ali também moravam o Inhozinho e sua família e o Arcanjo com a outra Geralda, a cozinheira. Adiante, numa parte ainda mais íngreme do que a inclinada rua São Benedito, morava a Geralda do Bem, mãe da Lica e avó dos nossos amigos Ernani, Vanuci, Soraia, Léia e Rosária. Vocês podem achar que sou exageraldo, mas, ô lugar para ter mulheres com nomes de Geralda! Ainda à frente, na mesma São Benedito, ficava a residência do Jonas Leite e, numa casinha na parte baixa desta rua, num dia triste e assombroso para nós meninos, um homem miúdo, de apelido Sabiá, se enforcou com uma corda presa numa árvore no quintal.
A rua de cima, da São Benedito, era – e continua sendo até onde eu sei – a São Vicente e abrigava algumas das figuras mais interessantes da minha meninice, como o Atóim Cigano e seus filhos; o Gootchall e a Dona Rita – que de tão doce que era distribuía com a gente uns agrados como pé-de-moleque e doce de leite em pedaços; o Joaquim Diniz e a Dona Manoela; a Dona Maria Milagre; o Joaquim da Expansão; a Dona Rita e a família do padre Gilmar; o Júlio da Zurica; o ferreiro Madureiro; o mecânico Goiaba; o Júlio do Bar e a Dona Raimunda do Vicente Brandão, um povo do Joaquim Salomé…
Foi na Rua São Vicente que eu vi pela primeira vez o bloco de carnaval ‘Os Terríveis’ e, por causa dos seus ensaios e desfiles terrivelmente animados, coloridos em vermelho e branco, que resolvemos criar nosso ‘bloco de sujos’ – literalmente falando, dado ao aspecto daquela molecada –, com instrumentos feitos de lata e couro (fedorento) que buscávamos no curtume do Jandir Milagre ou do Jadir Marinho. Saíamos por ali – eu, meus irmãos e uma corriola de amigos – cantando entusiasmados: “Olha o bloco dos sujos/ que não tem fantasia/ mas que traz alegria/ para o povo sambar./ Olha o bloco dos sujos/ tá batendo na lata/ alegria barata/ carnaval é pular”.