Para não dizer que não falei do tempo

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@toniramosgoncalves*

A surpresa veio ao ler em um dos principais veículos de imprensa do país uma série de reportagens especiais sobre as Manifestações de 2013. Esses protestos ocorreram entre os dias 15 e 26 de junho, quando o povo brasileiro saiu às ruas durante a Copa das Confederações, sediada no Brasil, e representaram um marco significativo para os anos seguintes, catalisando a rivalidade política atual.

“Uai… Mas já passou tanto tempo assim?” – pensei alto. – “Isso aconteceu ontem!”

Não, não foi ontem. O tempo passa sorrateiramente e nem percebemos o quão intensamente as coisas aconteceram em nossas vidas. Embora a lembrança desses acontecimentos seja recente em minha memória, fiz questão de mergulhar nos arquivos daquela época. Procurei pelas fotos e vídeos registrados em uma câmera digital que eu havia adquirido pouco tempo antes daqueles acontecimentos e que estão armazenados em meu computador. Nesse percurso de recordações, testemunhei um mundo que agora só existe no passado e na minha memória. Foi engraçado me ver com cabelos pretos e alguns quilos a menos, um lembrete inequívoco de que o tempo havia seguido seu curso inevitável.

Recordo-me com nitidez do início das manifestações, que eclodiram nas principais cidades do país às vésperas da Copa das Confederações. A insatisfação popular foi o motor que levou as pessoas às ruas e fez suas vozes ecoarem por várias cidades brasileiras, transformando-se em um gigantesco grito de milhares de pessoas. Essa onda ensurdecedora de protestos gerou, nas grandes cidades, outro tipo de onda: a violência, deixando um rastro de vandalismo e destruição.

Uma semana depois de ganharem força em São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, vi um anúncio nas redes sociais convocando os itaunenses para uma concentração na Praça Celi, na Avenida Jove Soares, a fim de expressarmos nosso descontentamento. Naquela ocasião, não sabíamos ao certo quem estava liderando o evento. Era uma manifestação desprovida de direção ou liderança definida. Fui acompanhado do meu filho mais novo, que era adolescente na época. Durante a concentração, nos deparamos com uma multidão de todas as idades, cada pessoa carregando cartazes de protesto, com os rostos pintados, bandeiras do Brasil tremulando ao vento, apitos, tambores e uma atmosfera efervescente de clamor coletivo.

Não demorou muito para eu encontrar os amigos, incluindo meu fiel camarada e futuro confrade na Academia Itaunense de Letras, Sílvio Bernardes, com sua característica cabeleira branca, posando ao meu lado para uma foto. Avistei Clênio “Caveira Rachada”, sem sua atual barba profética, exibindo cabelos curtos (essa foto, certamente, teria um valor incalculável nos dias de hoje), além de tantos outros conhecidos e desconhecidos que se juntaram à multidão.

Em Itaúna, o protesto transcorreu pacificamente. O mar de pessoas invadiu a Avenida Jove Soares, convocando os moradores nas janelas e sacadas dos prédios a aderirem à manifestação, onde acenavam e aplaudiam. Ao meu lado, meu filho ia gritando com uma voz aguda e grave, típica dos adolescentes, um desencontrado e engraçado “Vem para a rua”. A caminhada seguiu pelas ruas e praças e, em um determinado momento, cantamos a música de Geraldo Vandré, “Para não dizer que não falei das flores”.

Paramos em frente à prefeitura, onde um batalhão de choque composto por seis policiais posava com expressão intimidadora. No entanto, ninguém queria brigar. A intenção era apenas exigir um pouco mais de dignidade e respeito por parte dos nossos governantes. Ali não se tratava de uma revolução orquestrada pela esquerda ou do surgimento de uma nova direita. As cores das camisas vermelhas e amarelas se misturavam. Era um movimento apartidário, um grito coletivo de um povo com tantas carências.

Aquelas manifestações deixaram marcas profundas e desencadearam uma nova fase política no Brasil, trazendo desencanto para alguns e engajamento político para outros. Foi um movimento democrático, uma convergência de atores e agendas diversas, que desencadeou um turbilhão político em nosso país e estimulou protestos nos anos subsequentes. O ápice dessa sequência de eventos deu-se com o processo de impeachment em 2016 e nos anos conturbados que se seguiram. Desde a complexa e contraditória Operação Lava Jato até a polarização das eleições de 2022, culminando no ato terrorista de 8 de janeiro de 2023. Ao contrário dos atos antidemocráticos mais recentes, as manifestações de 2013 foram representativas de diversas classes sociais e camadas da nação, refletindo uma insatisfação generalizada com a situação política e social do país. A definição desses atos está nas palavras da jornalista Mariliz Pereira Jorge: “Todo carnaval tem fim, o que nunca acabou no Brasil foi junho de 2013.” 

Ao fim daquelas manifestações, a seleção brasileira conquistou a Copa das Confederações, porém acabou sofrendo uma derrota avassaladora na Copa do Mundo do ano seguinte, um humilhante 7×1 frente à Alemanha, que se sagrou campeã.

Quanto ao tempo, ele é um mestre implacável. O ontem, tão vívido em nossas memórias, torna-se a cada dia mais distante, e o futuro, com suas promessas e desafios, se aproxima rapidamente. É um lembrete constante de que a vida é efêmera e que cada momento é valioso. Num piscar de olhos, uma década se passa, repleta de experiências, mudanças e aprendizados.

* Toni Ramos Gonçalves

Ex-presidente e membro fundador da Academia Itaunense de Letras

Graduando em História e Jornalismo.