Que história é essa? Meninos do rio

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Sílvio Bernardes

“O rio não quer chegar, mas ficar largo e profundo…”  (GUIMARÃES ROSA)

O São João era um rio de águas claras, límpidas. E caudaloso. Devera. De primeiro, ele era um rio até perigoso para os incautos e os moleques sem a menor vocação para peixe, tipo eu assim. E a gente nadava no rio São João. A gente pescava no Rio São João. Até beber das suas águas, a gente bebia. Para nós, o rio São João começava ali na banda de baixo da Vila Mozart – assim que o povo falava de primeiro –  e terminava um pouco mais abaixo, próximo   do campo da várzea, onde é hoje a Rodoviária. Mas, ainda assim era um cepa de um rio. A gente ia ao rio São João quase todas as semanas, com a mãe, que ia lavar roupa. Ela cuidava das bacias e das roupas enquanto a gente nadava, pescava, se divertia. Meus irmãos nadavam mesmo: de peito, de costas, cachorrinho etc., eu, nada. Sem saber dest’arte, eu ficava brincando nas margens rasas, praticando uma modalidade de esporte aquático a que os gozadores chamavam de “machado sem cabo”.  Também nunca achei muita graça em pescaria. Uma única vez me aventurei nessa atividade prosaica, pesquei um peixinho e, quando vi o anzol enfiado num dos  seus olhinhos, tomei uma antipatia tão grande desse trem e ali mesmo prometi nunca mais cometer esse desatino. Hoje, felizmente, não só não pesco, como não me alimento de nenhum tipo de animal.

No rio São João as mulheres lavavam roupa. Algumas cantavam, como minha mãe, Dona Luzia Zenóbia, uma mulher forte, para quem as tristezas não pagavam dívidas, como eu já contei aqui. As mulheres lavadeiras torciam roupa, batiam roupa, punham a roupa para quarar e conversavam. E riam. E contavam casos. Os moleques, seus filhos (e os filhos de outras mães não-lavadeiras), brincavam nas águas do São João. Comíamos as merendas que as mães levavam e os ingás que os ingazeiros forneciam a mancheia.

Um dia um menino –  quem conta é meu irmão Marcinho Bernardes – subiu num daqueles ingazeiros e gritou, imitando um dos heróis de todos nós, o Tarzan:

–  Ôôôôôôôôôôôôôô… E pulou no rio. E errou o rio. E bateu com o peito numa pedra. Sem graça e sem força, saiu ganindo como um cãozinho machucado:

 – Água, mãe! Água!

De outra feita, agora quem conta é meu outro irmão Carlos Márcio, os moleques foram nadar no rio, às escondidas das mães. Alguém contou para uma delas, talvez a  mais brava e a mais ciosa no cuidado com os seus filhotes, a Dona Luzia. E ela foi lá conferir. E não é que os seus meninos Marcinho e Carlinhos estavam lá, no meio daquela molecada, nadando… pelados, quando deveriam estar na escola. Ela cuidou deles. Os fez caminhar nuzinhos por um bom pedaço da via pública, sob uma chuva de xingamentos e petelecos. Tiveram que curar a vergonha e a sova na cama, que é lugar quente.

http://caquiblog.blogspot.com.br (imagem ilustrativa)
De primeiro, o nosso rio São João era tipo assim