CRENDEUSPAI: AS LENDAS URBANAS DE ITAÚNA

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@toniramosgoncalves

Quando eu era criança, há quase meio século, era comum as famílias, que eram numerosas, se reunirem ao fim da tarde ou mesmo naquelas noites mais frias e escuras, seja na rua ou nas salas de estar. Em nosso bairro pobre, poucos tinham televisão naquela época, e essas reuniões eram nossa rede social, bem diferente da febre tecnológica de hoje. Nessas ocasiões, dedicavam-se a fofocar, brincar e escutar os causos mais assustadores, narrados pelos mais velhos. Essas histórias nos levavam a dormir com a cabeça debaixo dos cobertores, mesmo nos dias mais quentes, ou na cama dos pais. Durante a Quaresma, eram poucos os que tinham coragem para sair de casa à noite, com receio de encontrar uma mula sem cabeça ou um lobisomem. O medo rondava nossas noites e cresceu dentro das nossas cabeças de forma incontrolável.

Estes causos eram tão comuns que no livro “Itaúna – Contribuição para a História do Município”, publicado em 1936 pelo historiador João Dornas Filho, um capítulo inteiro é dedicado às lendas e tradições locais. Ele narra histórias de fenômenos sobrenaturais, como a de um pântano assombrado, onde se ouvia o choro de crianças. Diz-se que ali, escravas do Capitão Custódio abandonavam seus filhos ilegítimos, que morriam devorados pelos porcos. Outra lenda mencionada no livro é a do tenente José Ribeiro de Azambuja, que, apesar de morto, continuou a ser visto por muitos anos. Grupos de corajosos tentavam cercá-lo, mas, misteriosamente, ele passava por eles sem ser visto, montado em seu cavalo.

Seu Zé Roza, aos 94 anos e morador da zona rural de Itaúna, compartilhou com meu amigo João Aureliano Neto um caso assustador. Ele falou sobre uma tocha que parecia andar sozinha na região da comunidade do Rio São João e que às vezes era vista na área da fazenda de Olímpio Moreira. Segundo ele, as pessoas que percorriam as estradas rurais à noite viam a tocha se apagar ao se aproximarem, para depois reacender bem atrás delas. Essa mesma tocha foi avistada na comunidade dos Medeiros, onde entrava frequentemente em uma casa, iluminando-a completamente. Foi necessário realizar uma missa naquela residência para que os eventos sobrenaturais cessassem. Esse fenômeno era atribuído por muitos à Mãe do Ouro.

A escritora Maria Lúcia Mendes, em uma conversa intimista, contou um episódio vivido por seu pai na década de 1930. Naquela época, era comum os rapazes usarem chapéu de aba larga, bengala e colete como sinal de elegância. Surgiu, então, um boato sobre um homem vestido de branco que aparecia no local onde se situa as ruínas da Fábrica de Tecidos da Itaunense. Conforme as testemunhas o observavam, ele parecia crescer em estatura. Cético, o pai de Maria Lúcia, ainda jovem, não acreditou na história e reagiu com desdém. No entanto, uma noite, ao retornar da praça já tarde, ele desceu a rua atrás da igreja que desemboca no cruzamento com a rua Zezé Lima. Foi então que avistou uma figura imensa. Quanto mais ele olhava, mais o vulto parecia crescer. Ele ficou tão assustado que seus cabelos se arrepiaram e seu chapéu quase saiu de sua cabeça. Acelerando o passo, ele voltou para casa e jurou nunca mais passar por aquele caminho ou duvidar das histórias que ouvia.

Várias pessoas, incluindo o jornalista Sílvio Bernardes, relataram outro fato intrigante sobre a região conhecida como Vila dos Atrevidos, hoje parte dos bairros Novo Horizonte e Vila Nazaré, no caminho para o Garcias. Esta área, anteriormente coberta por mato, abrigava uma fábrica de foguetes onde, infelizmente, um acidente resultou na morte de muitas pessoas. Nesta estrada, havia uma pedra grande que desempenhava um papel singular: era o local onde os cortejos fúnebres, vindos de Garcias, e das comunidades rurais de Campos, Lopes e Cachoeirinha, faziam uma pausa para descansar. Os homens que carregavam os caixões costumavam depositá-los sobre essa pedra durante o trajeto a pé até o cemitério central.

Com o passar do tempo, surgiram muitas histórias sobre aparições de fantasmas e assombrações nessa região, especialmente ao redor da pedra. O medo dessa área era tão intenso que as pessoas evitavam passar por lá à noite, especialmente ao retornar de Garcias. Não se atreviam sequer a olhar para a pedra ou para os arredores. Além disso, a existência da fábrica de foguetes contribuía para o clima de temor. Havia relatos de pessoas que juravam ter visto restos humanos espalhados pela estrada.

As lendas urbanas são elementos fascinantes da cultura popular, atuando como versões modernas de antigos mitos e contos folclóricos. Elas refletem os temores, anseios e valores de uma sociedade, frequentemente atuando como advertências ou lições morais camufladas em narrativas cativantes. Para escritores de histórias de terror, as lendas urbanas representam uma mina de ouro criativa. Elas fornecem estruturas narrativas prontas, que podem ser adaptadas e expandidas, permitindo uma exploração profunda dos medos e desejos humanos. Isso possibilita uma conexão intensa com os leitores contemporâneos, abordando temas relevantes com a atualidade.

Hoje em dia, a Geração Z parece ter deixado de lado as histórias de assombrações que tanto permearam as gerações anteriores. Em contraste com os tempos passados, quando o medo de fantasmas e espíritos rondava a imaginação popular, os jovens de agora encaram preocupações diferentes, deixando-as para ficção. Ao sair à noite, o temor se volta mais para questões terrenas e imediatas, como a possibilidade de encontrar ladrões ou pessoas mal-intencionadas. Nessas mudanças, observa-se uma clara transição na natureza dos medos cotidianos, refletindo talvez a maneira como a sociedade e suas inquietações evoluíram. Assombrações e fantasmas, que outrora dominavam as narrativas noturnas, agora parecem ser figuras esquecidas, relegadas ao passado, sem despertar o temor que um dia tiveram.

* Toni Ramos Gonçalves

Professor de História, Escritor, Editor, ex-presidente e um dos fundadores da Academia Itaunense de Letras – AILE. Graduando em Jornalismo.