ALÔ, JERÔNIMO?

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@toniramogoncalves*

Trim Trim Trim…

Se o telefone não tivesse tocado pela terceira vez consecutiva, ela estava convencida de que já teria terminado o serviço, que se arrastava mais do que o esperado. Poderia simplesmente desconectar o fio, mas temia que isso pudesse levantar suspeitas e levar alguém a verificar o que estava acontecendo. Era meio da tarde de uma ensolarada sexta-feira, em um feriado prolongado. Irritada com o aparelho obsoleto que insistia em tocar, e desejando silêncio para concluir seu trabalho, decidiu atendê-lo. Do outro lado da linha, uma voz rouca e aparentemente cansada indagou:

– Alô! É da casa de Jerônimo?

Ela revirou os olhos, respirou fundo e, num tom seco, respondeu:

– Olá, aqui não mora nenhum Jerônimo, acredito que você se enganou.

E, antes que pudesse afastar o telefone do ouvido, ouviu a voz ressurgir do outro lado.

– Uai…, mas como não tem nenhum Jerônimo aí? Quem é você? É a esposa ou filha dele? – perguntou o homem do outro lado da linha, que aparentava ter uma idade avançada.

Ela sabia que precisava manter a compostura, apesar de sua vontade de expressar irritação com a audácia do interlocutor e de querer voltar ao trabalho que estava realizando. Respirando ainda mais fundo, explicou com paciência didática:

– Olhe, senhor, até onde eu sei, não há nenhum Jerônimo aqui. Estou apenas finalizando um serviço em pleno feriado. Portanto, acredito que houve um engano. Engano, ok?

O homem do outro lado parecia não entender ou não queria aceitar. Talvez fosse a idade avançada, que muitas vezes vem acompanhada de problemas neurológicos, dificultando a compreensão das coisas mais simples.

– Ele mesmo me deu este número de sua casa, pois não usa celular! – insistiu – Encontrei-o recentemente na saída do banco. Não pode ser engano. Ele ficou feliz em me ver. Servimos juntos no Tiro de Guerra, sob o comando do subtenente Fonseca e do Sargento Alaor, em Itaúna, no interior de Minas Gerais. Éramos muito próximos, mas, infelizmente, perdemos contato quando ele se mudou para o Rio de Janeiro. Meu filho agora está morando aqui e estou passando uns dias aqui. Foi por isso, que nos encontramos.

Sem nenhum interesse no reencontro de possíveis amigos a mulher elevou um pouco mais a voz, mas mantendo a seriedade:

– Muitas coisas podem ter acontecido, meu caro. Ele pode ter passado o número errado, ou o senhor pode ter discado incorretamente. Mas isso definitivamente é um engano.

Seguiu-se um breve silêncio. Quando ela pensou que a conversa havia terminado, a voz do homem ressurgiu:

– Então qual é o seu número?

A mulher, coçou a testa em descrença pela insistência dele, perguntou com o que restava de sua paciência:

– Que número o senhor discou?

Ele recitou os números lentamente, como se estivesse lendo de um papel, e depois repetiu tudo novamente, mais devagar ainda.

– Viu só? O meu telefone não tem esse 171.

Do outro lado, o homem soava triste e desapontado, mas finalmente aceitou, despedindo-se abruptamente antes de desligar.

– Dai-me paciência! – ela murmurou, revirando os olhos, antes de desconectar o fio do telefone, para não ser novamente incomodada.

Na outra sala, alguém tentou gritar, resultando apenas em um resmungo abafado. Era Jerônimo, amordaçado e amarrado a uma cadeira. Ela pediu-lhe silêncio com um gesto do dedo próximo à boca. Antes de continuar arrombando o cofre, a mulher deu mais um aperto na corda que o mantinha preso.

* Toni Ramos Gonçalves

Professor de História, Escritor, Editor, ex-presidente e um dos fundadores da Academia Itaunense de Letras – AILE. Graduando em Jornalismo e Escrita Criativa.