SOL DE MAIO

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@toniramosgoncalves*

– Um café, por favor.

– Sim, senhor. Algo para comer?

Ele indica um salgado do cardápio. A garçonete sorridente e bem vestida vira-se e sai em direção ao balcão, após anotar o pedido.

Com o olho na porta, ele vê a mulher que para na entrada. A claridade opaca vinda de fora cega seus olhos por alguns instantes. Ela procura por ele no recinto, forçando o olhar, enquanto balança a cabeça, mostrando os cabelos compridos e esvoaçantes, e o vestido branco, justo e decotado. Ele reconhece aquele cabelo, aquele jeito de andar. Fazia tempos que não a via.

Ao reconhecê-lo, ela se dirige à mesa, sobre olhares atentos de alguns clientes. Ele a recebe de pé, estendendo-lhe a mão. A mulher tenta sorrir, mas não consegue.

– Quanto tempo? – disse tocando levemente sua mão.

– Vinte anos. – ela responde, desvia o olhar, senta-se de costas para a porta e faz um gesto para a garçonete. Pede um suco e dá um leve sorriso ao lhe entregar o cardápio. Era o mesmo sorriso que ele conhecia.

Frente a frente, aguardam os pedidos, respeitam seus silêncios. Ele cruza as mãos sobre o colo e, vez ou outra, observa o mar sob a luz de um sol de maio escondido entre as nuvens cinzentas, e o cheiro de mar que vem da praia de Copacabana. Furtivamente, olha para ela por detrás das lentes: o decote em V provocativo, as mãos brancas, os cabelos hoje na cor avermelhada, a cintura que se insinua por sob o vestido.

Em pouco tempo, a garçonete entrega seu café, seu salgado e o suco pedido por ela.

– Algo mais, senhor?

– Não, obrigado.

Ela não consegue olhar na direção dele, mas sabe que seus olhos esverdeados estão pousados sobre ela, aguardando alguma palavra.

– Nunca pedi seu perdão. – diz o homem, provando o café, após misturar o adoçante.

Ela, sem nada dizer, ainda evitando os olhares, observa os cabelos grisalhos penteado para trás, colados com gel. Era a mesma forma de penteado do passado; a barba grisalha aparada, talvez para aquele encontro, a camisa esticada a ferro, os braços peludos e a mão enorme. Ela sempre o achou elegante e ainda se lembra de alguns detalhes. Um carinho enorme a invade, e ela tem vontade de chorar.

– Foi obra da fatalidade o que aconteceu. Hoje eu entendo. Perdoe-me! – diz ele tentando tocar a mão dela sobre a mesa. Diante da recusa, desvia o olhar novamente para a janela em busca do mar e de sua outra vida.

Dois dias atrás, esta mesma mulher enviou uma mensagem marcando o encontro na Confeitaria Colombo, no Forte Copacabana, depois de muitos anos. O seu conturbado relacionamento com ela o afastou. Buscou outras amantes, sem sucesso. Seu maior relacionamento, durante todo aquele tempo, durou apenas dois anos. Um dia, ao retornar para casa, encontrou um bilhete de despedida de sua outra mulher e nem se preocupou em ir atrás; estava condenado a viver sozinho. Nada preenchia o vazio que inundava sua alma. Desde então, não esperava nada do dia seguinte. Recentemente aposentado, vivia a perambular pelas praças da cidade e, à noite, dormia numa pensão barata. Nada precisava realmente ser modificado.

Ela repara em seu silêncio e compreende que ele está se lembrando de fatos antigos. Ceder ao pecado tirou-lhe um pedaço de suas vidas. Por obra do destino se apaixonara justamente pelo irmão do marido. Não conseguia perdoar a si mesma e nem a ele, pelo menos até aquele momento, ao revê-lo. As únicas recordações felizes, a dor da perda levavam ao passado e àquele homem. Todo aquele tempo vivido de forma monótona e vazia, sem sentido, absorvendo toda a culpa, em silêncio.

Por um momento, os dois se olham de frente. Ela ergue os olhos, e ele vê que seu olhar era o mesmo pelo qual se apaixonara anos atrás. É um olhar terno, sofrido e esperançoso. Um tipo de sentimento que os dois não conhecem mais, mas que ressurge de uma época muito distante. Uma pequena contração dos cantos da boca dá a impressão momentânea de que iriam sorrir de seus próprios desesperos. Porém, logo a seguir, ambos deixam cair as pálpebras, prolongando ainda mais o silêncio. E assim ficariam, se a mulher, já sem forças para conter os olhos em lágrimas, não estendesse a mão. O mesmo amor que os uniu e os separou ainda existia entre eles.

Então ele pega a sua mão e enfim sorri.

* Toni Ramos Gonçalves

Professor de História, Escritor, Editor, ex-presidente e um dos fundadores da Academia Itaunense de Letras – AILE. Graduando em Jornalismo e Escrita Criativa.