@toniramosgoncalves*
No começo desta semana, fui surpreendido novamente ao ir à Biblioteca Pública Municipal Engenheiro Osmário Soares Nogueira, localizada na Praça da Estação, e encontrá-la fechada mais uma vez. Ela está assim há mais de um ano devido à reforma do telhado. Durante esse longo período, houve também uma denúncia feita por vereadores sobre a não retirada dos livros para a execução dos trabalhos. Com o telhado aberto, a chuva danificou e destruiu vários exemplares, alguns raríssimos. A última previsão para a reabertura era em dezembro de 2023. Faz tempo que o Poder Público da cidade trata com descaso sua memória e seu patrimônio material e imaterial. Dois exemplos são desnomear uma escola que levava o nome do historiador João Dornas Filho e reformar o museu municipal, descaracterizando-o e entulhando seu acervo em depósitos.
Até pouco tempo atrás, as bibliotecas eram frequentadas por alunos e pesquisadores em busca de conhecimento e informações. Hoje, com os avanços tecnológicos e o surgimento do “Deus Google”, tudo isso está acessível com um simples toque. Embora as bibliotecas virtuais ofereçam inúmeras vantagens, como o acesso fácil e rápido a uma vasta quantidade de informações, a preservação das bibliotecas físicas – que não são apenas um depósito de livros – continua sendo essencial por diversas razões culturais, educacionais, sociais e históricas.
A digitalização oferece muitos benefícios, mas também apresenta riscos em termos de preservação da integridade da informação. Arquivos digitais podem ser corrompidos, perdidos ou manipulados com facilidade. Em contraste, os materiais físicos, quando adequadamente conservados, podem durar séculos. As bibliotecas presenciais, portanto, desempenham um papel vital na preservação da integridade e autenticidade da informação.
A primeira vez que entrei em uma biblioteca, eu tinha seis anos. Foi em 1977, no pré-primário da Escola Estadual Dr. José Gonçalves de Melo. O local era uma sala escura, silenciosa e fria, com gravuras dos clássicos infantis pintadas nas paredes, que às vezes me assustavam. Mais tarde, na adolescência, em 1984, frequentei a biblioteca da Escola Estadual Prof.ª Celuta das Neves, o Polivalente. Em um evento mediado pelo professor Belmiro, fui sorteado e ganhei o primeiro livro da minha vida. Nunca tinha ganhado nada antes e fiquei muito contente. Não lembro o título nem o nome do autor, mas era um livro com belas mensagens de vida, que gostei muito. Uma semana depois, eu estava procurando nas estantes outro livro para ler. O escolhido foi “Os Três Mosqueteiros” (1844), de Alexandre Dumas. Depois, li “Moby Dick” (1851), de Herman Melville e, em seguida, os livros da coleção Vagalume. Também frequentava a biblioteca do Mobral, situada ao lado da agência do Banco do Brasil, na praça da Matriz. Com o passar do tempo, comecei a comprar livros e a montar meu acervo particular.
Infelizmente, às vezes ouço pessoas dizendo que a manutenção das bibliotecas físicas é desnecessária. No entanto, elas são guardiãs de uma vasta riqueza cultural e histórica. Alexandre, o Grande, ao construir a Biblioteca de Alexandria, compreendia a importância de preservar a memória e a cultura, inclusive dos povos que ele havia conquistado. Se não fosse a disputa pelo trono entre Cleópatra e seu irmão, Ptolomeu XIII, talvez aquele acervo não tivesse sido destruído pelo fogo, e provavelmente hoje teríamos mais conhecimento sobre a humanidade.
Em muitas regiões, especialmente em áreas rurais ou menos desenvolvidas, o acesso à internet pode ser limitado ou inexistente. Esses ambientes culturais fornecem um local onde todos, independentemente de sua condição socioeconômica, podem acessar informações, participar de programas educacionais, utilizar computadores e a internet de forma gratuita.
Além disso, esses locais também atuam como importantes centros comunitários. Eles oferecem um espaço seguro e acolhedor onde as pessoas podem se reunir, interagir e participar de atividades coletivas literárias, como saraus, organização de feiras de livros, criação de grêmios literários, clubes de leitura, concursos literários, lançamentos de livros e conversas com autores. Frequentemente, abrigam programas de alfabetização, apoio ao estudo e serviços de consulta, expandindo e envolvendo a leitura por toda a comunidade.
Por fim, a situação da Biblioteca Pública Municipal Engenheiro Osmário Soares Nogueira, fechada por tanto tempo e com seu acervo danificado, exemplifica a perda irreparável de patrimônio devido à negligência e ao descaso. Esses espaços são insubstituíveis templos do saber, proporcionando aprendizado, interação social e preservação da memória coletiva. Em um mundo digital, a existência, manutenção e revitalização das bibliotecas físicas são fundamentais para uma sociedade bem-informada e culturalmente rica. A reabertura e valorização desses locais são urgentes para que futuras gerações possam desfrutar de suas inestimáveis riquezas.
* Toni Ramos Gonçalves (Não é o Global)
Professor de História, Escritor, Editor, ex-presidente e um dos fundadores da Academia Itaunense de Letras – AILE.