Que história é essa? Vem cumê que  tem mistura

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Sílvio Bernardes

Ah, como era bom ouvir isso: “minino, vem cumê que tem mistura!”. E a mistura podia ser um pedacinho de carne – carne de segunda, retalho de carne ou carne moída comprada do açougue do Valdo do Zé Pereira. Podia ser linguiça Maria Rosa ou mesmo uma banana. Talvez, sardinha de lata ou alguma coisa improvisada. A mãe era mestre em improvisar mistura na nossa simples refeição diária. Valia muito a criatividade para quem criava uma família enorme com pouquíssimas condições financeiras. Ô peleja, sô! E, a comida com mistura (almoço e janta) podia ser o arroz e feijão de todo o dia mais uma verdura melhor: almeirão, couve rasgada, maria-nica, ora-pro-nobis, abobrinha batida, chuchu… Ou, mamão verde refogado, grelo de abóbora, umbigo de banana. Bom demais, também, era ovo frito (ovo estrelado) ou molho de ovo com tomate miudinho. Hum! E a banana? Ah, não tem mistura melhor que banana, de qualquer qualidade. Hoje, nas minhas refeições rápidas (e muitas vezes sofisticadas rsrs) eu me perco diante do “self service” de muitas opções, mas sinto falta de um ovo frito ou de uma banana como mistura para o arroz com feijão. Tenho vontade mesmo é de comer o  cumê da Dona Luzia Zenóbia, minha mãe.

A escritora Adélia Prado escreveu certa feita: “minha mãe cozinhava apenas/ arroz, feijão e molho de batatinha/ mas cantava”. A mãe era assim. Cantava por qualquer alegriazinha. A mistura simples do cumêzinho era para ela motivo de festa. A nossa famosa escritora Maria Lúcia Mendes, minha amiga e colega de tertúlias literárias, tratou do assunto comida caseira – o nosso “cumê” – em crônicas e poemas, com simplicidade e gostosura que o assunto solicita. Tem um poema seu que a narradora fala do pai repetindo a “janta” de feijão, farinha e macarrão goela-de-pato – e pimenta malagueta –, enquanto ouve, no rádio, a música “Saudades de Matão” (Raul Torres, Anthenógenes Silva e Jorge Galatti). A cena, descrita em poucas palavras, é carregada de enorme conteúdo emocional e de rara beleza: “O rosto dele acende em alegria/ a cozinha parece que clareia”.

Ah, sinto que hoje, depois desses banquetes de final de ano, estou precisando de um “cumê” do meu povo: arroz, feijão e angu –  e uma boa mistura para combinar. E, claro, uma sobremesa de queijo de Minas com goiabada para completar.