Que história é essa? Não brinco mais carnaval

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Sílvio Bernardes

“Manhã, tão bonita manhã

Na vida, uma nova canção

Cantando só teus olhos

Teu riso, tuas mãos

Pois há de haver um dia

Em que virás…” (“Manhã de Carnaval” – Antônio Maria/Luiz Bonfá)

Hoje é sábado de carnaval. E daí? Um sábado como qualquer outro, poderia eu dizer do alto dos meus setenta e poucos anos e há muito tempo desvinculado completamente dessas folias. E parafraseando o Raul Seixas: “eu digo não, não, não; não brinco mais carnaval. Cansei de pagar mico nas ruas e nos salões”. Ali, eu pensava, como tantos outros, que ninguém era de ninguém e que o amanhã não viria logo. Ledo engano. Para alguns amigos – um pouco mais moços que eu – é até um sacrilégio dizer que esse dia (e os demais que se seguem) seja uma data comum, já que entendem que o sábado de carnaval é mágico, o prenúncio de um tempo de êxtase e de alegria transbordantes; quando tudo pode acontecer. Alguns companheiros me passam mensagens, via WhatsApp, tentando me demover dessa decisão de não brincar mais o carnaval – neste, como no anterior e no anterior e no anterior… Tentam me sensibilizar com argumentos de que o carnaval de hoje é um pouco daqueles do nosso passado: bem bloquinho, bem família, bem divertido, liberdade total. E quase me convencem dizendo que podemos até ridicularizar (mais) o inelegível com uma fantasia bem legal. “Sabe uma jaula e um uniforme de presidiário?!!!”.

– Pô, Tito, cê era o mais animado, o mais intrépido, o mais conhecedor das marchinhas e dos sambas-enredo. Cantava as músicas e as muié e, até, arriscava uns passos de samba na avenida – desengonçados, é verdade. Depois do Sérgio Tarefa, não tem ninguém que conhece tanto da história do nosso carnaval como ocê, sô! Você foi o que mais escreveu sobre a folia de Momo nas páginas da nossa imprensa. Agora tá aí, de pijama, arrastando sua sandália entre quatro paredes. Solta essa franga e vem pra rua, rapaz!

Não digo que não irei sair de casa nesses dias. Vou sim à padaria, ao mercado e posso, impunemente, tomar umas geladas, um uísque – e um bom vinho, é claro –, mas no regaço do meu sacrossanto lar, ao lado da patroa e dos bichinhos de estimação. Buteco, não me pega mais e da multidão, extremamente animada e barulhenta (e suada), eu quero distância. Enquanto a folia acontece lá fora, prefiro ler meus livros, ouvir minhas músicas – nada de marchinha de carnaval por esses dias – e assistir às séries com as quais estou em débito.

Não brinco mais carnaval, ainda que não esteja ruim da cabeça e nem doente dos pés. Posso dizer, sem querer me gabar, que estou vendendo saúde. Para mim o carnaval ficou lá atrás, perdido no meio de um folião desgarrado do bloco, na máscara que caiu quando as luzes se acenderam, durante um espirro de lança-perfume num salão que se transformou em igreja evangélica. Não existe mais. É Como uma quarta-feira de cinzas de longa duração. Incoercível. Não vejo mais por aí meus antigos camaradas com suas fantasias inocentes no indefectível bloco de sujos – ou envergando os brilhos de destaque da escola de samba da nossa preferência. Meu tempo agora é outro e esses carnavais de agora não me animam a sair de casa. Prefiro outros festejos e brincadeiras. Quem quiser e puder, que vá brincar na festa de Momo. Eu tô fora.

Acho que agora eu sou careta, assumido.