Religiões de Matriz Africana querem “Marcha para Exu”

Nesta semana, representantes das religiões de matriz africana, como o Candomblé e a Umbanda, procuraram a reportagem para anunciar a intenção de realizar em Itaúna a “Marcha para Exu”, evento inspirado na estrutura da Marcha Para Jesus, mas voltado às tradições e espiritualidade afro-brasileiras.
A ideia, inclusive, não é inédita: a Marcha para Exu já é realizada com sucesso há anos em grandes capitais como São Paulo e Manaus, onde reúne milhares de pessoas nas ruas em celebração à ancestralidade, à diversidade religiosa e ao combate ao preconceito. As edições nesses estados são amplamente reconhecidas como manifestações legítimas de cultura, fé e resistência.

“Se os recursos foram utilizados com um evento evangélico, por que não poderiam ser investidos também em um evento das comunidades tradicionais, culturais e ancestrais, presentes na cidade?”, questionou um pai de santo ouvido pela reportagem.
O líder religioso fez questão de esclarecer a importância de Exu dentro de sua fé, desmistificando estigmas ainda hoje reforçados por algumas crenças. “Diferentemente do que muitos religiosos pensam, Exu é uma entidade espiritual de luz. Na Umbanda, ele é o guardião dos caminhos, mensageiro entre os mundos e responsável por equilibrar energias. No Candomblé, é a primeira divindade criada por Olodumaré, o início de tudo, aquele que transforma e conecta”, explicou.
Ainda segundo ele, líderes de terreiros da cidade estudam a possibilidade de apresentar formalmente um projeto à Câmara e à Prefeitura, solicitando apoio logístico e financeiro para a realização da Marcha para Exu em Itaúna — em igualdade de condições com a Marcha Para Jesus.
OLHO
“Exu é uma entidade espiritual de luz. Na Umbanda, ele é o guardião dos caminhos, mensageiro entre os mundos e responsável por equilibrar energias. No Candomblé, é a primeira divindade criada por Olodumaré, o início de tudo, aquele que transforma e conecta”
Igreja Maranata também solicita apoio para Clube Rocha Negra

Outra solicitação de apoio também foi registrada esta semana. A diretora Lorena Aquino Santos apresentou à Câmara o projeto Clube de Desbravadores Rocha Negra, ligado à Igreja Adventista Maranata. O grupo atua com crianças e adolescentes de 10 a 15 anos, promovendo atividades de desenvolvimento físico, mental e espiritual.
“Nós trabalhamos com valores cristãos universais, não doutrinamos. Temos participantes católicos, batistas e evangélicos. Resgatamos o civismo, ensinamos honestidade, coragem e respeito ao próximo”, explicou Lorena.

A equipe já representou Itaúna em eventos regionais e nacionais, e busca agora apoio para participar de um grande encontro, o Campori, na cidade de Patrocínio, com custos anuais de R$ 1.635, por criança. O projeto já recebeu manifestações de apoio informal de alguns vereadores, mas aguarda resposta oficial, quanto ao possível repasse de recursos públicos.
Igreja Católica realizou Kairós de Pentecostes sem recursos públicos

Em contrapartida, chama atenção o fato de a Igreja Católica, uma das maiores representações religiosas da cidade, não ter solicitado apoio para seu principal evento: o Kairós de Pentecostes, também realizado no dia 8 de junho no Boulevard Lago Sul, reunindo milhares de fiéis em uma jornada de música, fé e espiritualidade.
Segundo os organizadores, toda a estrutura foi viabilizada com recursos próprios, doações e trabalho voluntário da comunidade católica. “Nossa estrutura foi compatível com a da Marcha Para Jesus, mas sem qualquer verba pública”, informou um membro da Forania Sant’Ana.
Onde termina a fé e começa o Estado?
A Constituição Federal, em seu artigo 19, proíbe que o Estado brasileiro estabeleça cultos religiosos ou subvencione igrejas. A exceção ocorre quando a parceria está vinculada a fins culturais ou educacionais, desde que respeite a isonomia entre credos.
Ao financiar um evento tipicamente evangélico com dinheiro público, Itaúna entra em uma zona perigosa entre o que é legal e ético. Afinal, estamos promovendo cultura ou patrocinando a fé? Se a justificativa for cultural, cabe ao poder público garantir igualdade de acesso e fomento às demais manifestações religiosas — incluindo as de matriz africana, indígenas, espíritas e outras.
Com a pressão crescente de diferentes grupos religiosos, o município poderá ser levado a rever os critérios de apoio a eventos religiosos, reforçando o princípio constitucional do Estado laico e plural. Afinal, a democracia se consolida quando todas as vozes podem ser ouvidas — com igualdade de condições e respeito mútuo.