Prefeitura e Câmara reagem contra assentamento do MST em área que faz limite com Itaúna

Além de não haver qualquer estrutura para assistir as famílias, estudo técnico apresentado na Câmara alerta de curso de água que abastece Itaúna pode ser contaminado

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A possibilidade de que uma área rural na divisa entre Itatiaiuçu e Itaúna seja cedida para um assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra provocou forte reação entre os vereadores itaunenses. A maior preocupação diz respeito aos impactos ambientais e à ameaça à segurança hídrica do município. 

Durante sessão da Câmara nesta terça-feira, 10, os parlamentares foram categóricos ao rejeitar qualquer possibilidade de instalação do movimento, mesmo em áreas que estejam fora do perímetro territorial de Itaúna, mas próximas a ele. 

“Não aceitaremos isso em hipótese alguma. Essa região abastece a nossa cidade, e a instalação do MST pode comprometer nossa principal fonte de água”, alertou o vereador Gustavo Barbosa, referindo-se ao córrego que corta a fazenda apontada como possível novo assentamento. 

“É um risco gravíssimo. Estamos falando de um manancial que serve diretamente a Itaúna. Não podemos permitir que, por acordo judicial, coloquem em risco a saúde de milhares de itaunenses”, completou o vereador Giordane Alberto, também manifestando indignação. 

Os vereadores foram unânimes em criticar a realocação dos integrantes do MST para a região do Córrego do Soldado e, segundo o vereador Gustavo Barbosa, que visitou a área, o local “não apresenta absolutamente nenhuma condição para receber qualquer tipo de moradia coletiva”. Ele alertou para a possível contaminação dos riachos que alimentam a barragem do Benfica e o Rio São João, ameaçando diretamente o abastecimento hídrico de Itaúna. 

O parlamentar ainda leu em plenário trechos do inquérito civil instaurado pela Prefeitura, destacando os riscos sociais, sanitários e ambientais envolvidos. “Estamos falando de centenas de pessoas em um lugar sem esgoto, sem água tratada, sem coleta de lixo. Isso vai gerar despejo irregular de dejetos, sobrecarga no nosso sistema de saúde e colapso na rede de ensino. É inaceitável”, enfatizou. 

O vereador Kaio Honório anunciou que levará denúncias formais ao Ministério Público com o objetivo de impedir a ocupação e solicitou que a Câmara atue institucionalmente ao lado da Prefeitura de Itaúna e da Câmara de Itatiaiuçu. Ele expressou temor de que o assentamento sirva como ponto de partida para novas ocupações, colocando em risco outras propriedades da região. “O histórico do movimento mostra que eles se expandem a partir dos pontos em que se instalam. A população precisa continuar mobilizada e cobrar as autoridades”, disse. 

Já o vereador Da Lua confirmou que o Ministério Público já oficiou os órgãos ambientais e a Câmara de Itatiaiuçu para apuração do caso, enquanto o presidente da Câmara, Toinzinho do Sô João, reforçou que a Casa Legislativa fará “tudo o que estiver ao seu alcance” para impedir a instalação. Ele também afirmou que poderá ser formada uma comissão especial para acompanhar os desdobramentos do processo. 

O vereador Alexandre Campos criticou a maneira como o acordo foi conduzido. “Tudo foi decidido em Belo Horizonte, sem ouvir o Executivo ou o Legislativo de Itatiaiuçu, tampouco a população de Itaúna, que será diretamente afetada. Se a propriedade está em Itatiaiuçu, que se responsabilizem por garantir as normas mínimas de urbanismo, infraestrutura e saneamento”, declarou. Campos também lembrou que Itaúna já sofre há décadas com ocupações irregulares em regiões como Brejo Alegre, Cachoeirinha, Marques e Mamonal, e que a repetição desses erros não pode ser tolerada. 

O vereador Rosse Andrade Silva reforçou a necessidade de escutar o posicionamento do prefeito de Itatiaiuçu antes da adoção de medidas mais enérgicas, enquanto Gustavo Barbosa classificou como “lastimável” a celebração de um acordo judicial sem qualquer consulta prévia às autoridades locais. “Isso foi imposto sem diálogo. Esperamos que haja uma forma de anular esse acordo ou, ao menos, evitar sua concretização nesse formato”, concluiu. 

Conforme apurado pela reportagem do Jornal S’Passo, a propriedade em questão – a Fazenda Monte Alvão – está situada integralmente no município de Itatiaiuçu, embora suas divisas se encontrem a poucos quilômetros da zona rural de Itaúna. O imóvel seria parte de um acordo de reintegração de posse firmado com o MST, que desde 2017 ocupava a fazenda em Santa Terezinha. 

A área, que se encontra na região do Córrego do Soldado, está inserida no bioma da Mata Atlântica, com vegetação nativa em estágio avançado de regeneração. A presença de Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal reforça a sensibilidade ecológica do local.  

Estudo alerta para impacto ambiental 

Um estudo ambiental apresentado à Câmara destaca uma série de fatores que tornam o assentamento ambientalmente inviável. Assinado pela tecnóloga em gestão ambiental Carla Guimarães Marques, o documento aponta que a região cumpre função hídrica estratégica, uma vez que o córrego que atravessa a fazenda deságua diretamente na barragem que abastece Itaúna e, posteriormente, segue em direção ao Rio São João.

A presença de um grupo numeroso, sem infraestrutura básica como rede de esgoto e coleta de resíduos, poderia provocar a contaminação da água utilizada pela população, alerta o estudo. Além disso, há o risco da introdução de agrotóxicos sem controle técnico, o que agravaria ainda mais a possibilidade de impactos ambientais irreversíveis. 

Outro ponto crítico destacado no estudo técnico apresentado na Câmara diz respeito à completa ausência de infraestrutura básica na propriedade destinada ao possível assentamento do MST. O imóvel não conta com rede pública de abastecimento de água, nem sistema de esgotamento sanitário — seja por meio de estação de tratamento ou soluções descentralizadas. Também inexiste qualquer tipo de coleta de lixo ou destinação adequada de resíduos sólidos, o que torna inevitável a degradação do ambiente a partir de uma possível ocupação populacional. 

A falta de planejamento urbano e acessibilidade formal à área transforma o assentamento em um potencial foco de poluição do solo e da água, além de favorecer a disseminação de doenças de veiculação hídrica como hepatite A, giardíase e leptospirose.

De acordo com o estudo, os impactos ambientais esperados são de alta magnitude e dificilmente reversíveis. A estimativa técnica indica que a presença de centenas de famílias sem suporte de infraestrutura poderia gerar carga orgânica semelhante à de uma cidade de até 6 mil habitantes, comprometendo toda a bacia hidrográfica do Rio São João. 

Outro fator agravante apontado pela análise é o provável uso descontrolado de agrotóxicos, o que, sem acompanhamento técnico ou normativo, pode resultar em contaminação difusa do solo e dos cursos d’água, riscos à fauna aquática, intoxicações humanas e prejuízos à produção agroecológica de propriedades vizinhas. 

Além disso, a ocupação seria feita em desacordo com a legislação federal que rege o parcelamento do solo rural (Lei nº 6.766/79), expondo áreas protegidas à urbanização desordenada e sem licenciamento ambiental.  

A tecnóloga Carla Guimarães Marques, responsável pela elaboração do estudo, pediu atenção especial da Câmara à gravidade da situação e recomendou que o assentamento só seja autorizado caso passe por um processo completo de licenciamento ambiental, com estudo de impacto e aprovação dos órgãos competentes. Ela também defendeu medidas imediatas de preservação da área, incluindo isolamento de nascentes, proibição de desmatamento e controle rigoroso do uso de produtos químicos. 

Ação da Prefeitura e investigação do MP

A gravidade do caso levou a Prefeitura de Itaúna a acionar o Ministério Público de Minas Gerais, por meio de uma Notícia de Fato protocolada no início da semana. No documento, a Procuradoria-Geral do Município pede a intervenção imediata para evitar qualquer forma de ocupação irregular da área pelo movimento. 

Segundo nota oficial da Prefeitura, o MPMG já instaurou inquérito civil e encaminhou ofícios à Prefeitura de Itatiaiuçu, solicitando esclarecimentos sobre a movimentação do grupo na região. Também foi requisitada uma análise da Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte sobre os possíveis impactos urbanísticos da medida. 

“O local não tem infraestrutura mínima para receber nenhuma comunidade. Isso fere o princípio da dignidade da pessoa humana e gera riscos sociais, sanitários e ambientais gravíssimos”, afirma o Executivo municipal. 

O Jornal S’Passo procurou lideranças do MST em busca de esclarecimentos e posicionamento oficial sobre a possível ocupação da área na divisa entre Itatiaiuçu e Itaúna. Até o fechamento desta edição, não houve retorno por parte do movimento.