A ARTE QUE REVIVE APÓS A MORTE

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@toniramosgoncalves*

Na semana seguinte à morte do cartunista Ziraldo, seu livro “O Menino Maluquinho” voltou a ganhar destaque, reaparecendo na lista de livros mais vendidos da PublishNews e da Amazon. Esse fenômeno é recorrente quando um artista morre e se torna manchete nos jornais. Isso nos leva a refletir sobre como a sociedade muitas vezes só reconhece verdadeiramente o valor de sua obra artística, após seu falecimento, seja ele uma figura consagrada ou controversa.

Infelizmente, essa é a realidade de muitos artistas. A maioria das pessoas pensa que a vida daqueles dedicados a promover cultura, lazer e diversão é fácil, mas não é o caso. Mesmo aqueles que alcançam sucesso percorrem caminhos árduos e, para muitos, o reconhecimento só vem posteriormente. Nem todo talento consegue vislumbrar o sucesso em vida. Por exemplo, Van Gogh nunca vendeu um quadro enquanto estava vivo, e Franz Kafka não chegou a publicar um livro. Hoje, ambos são referências em suas respectivas artes.

Mas como explicar isso? Um dos motivos pode estar ocorrendo neste exato momento. Alguém pode estar optando por não ler este texto agora por diversos motivos: falta de tempo, desinteresse pelo tema ou pelo autor, ou até mesmo tentando me “cancelar”. Sim, essa é a tendência atual. Por exemplo, o ator Will Smith, desde que desferiu um tapa no colega Chris Rock durante a cerimônia do Oscar há dois anos, praticamente desapareceu da mídia, sendo mencionado mais frequentemente em páginas de fofocas. Apesar de ter estrelado filmes de grande sucesso, ele está afastado, aguardando uma oportunidade para se destacar novamente.

O cancelamento pode ser visto como uma maneira de “matar” simbolicamente o artista em vida. Isso acontece quando ele/ela comete um erro e se torna um pária. A implacável campanha de difamação, muitas vezes orquestrada pelo meio artístico e pela mídia, geralmente tem efeito devastador. No entanto, apesar dessas adversidades, é raro que os artistas abandonem sua paixão pela arte. Muitos deles retornam revitalizados e, mesmo enfrentando desconfianças, conseguem reafirmar seu valor artístico, mesmo sem ser prestigiado.

Uma maneira de se prestigiar um autor em vida seria a sua nomeação para academias de letras. Na literatura brasileira, encontramos vários escritores consagrados pela crítica e pelo público sem pleitearem uma cadeira. Nomes como Lima Barreto, Monteiro Lobato, Mário Quintana e Conceição Evaristo foram recusados pela ABL – Academia Brasileira de Letras.   

Atualmente, vemos academias de letras repletas de “autores” desconhecidos, que são criadas frequentemente, muitas vezes com o objetivo de massagear egos inflados, servir como cabide financeiro ou até mesmo para formar grupos exclusivos, as famosas “panelinhas”. Neste cenário literário delirante, percebe-se que o talento e a qualidade muitas vezes são considerados requisitos dispensáveis aos seus acadêmicos.

Uma novidade recente é a “Academia Brasileira de Letras do Cárcere” implantada numa iniciativa do desembargador Siro Darlan, com o objetivo de transformar as vidas de presidiários por meio da literatura e outras artes. É válida? Sim, mas, diante do surgimento de tantos novos escritores, é crucial não banalizar a escrita para que o futuro dessa arte não se torne incerto.  

Outro ponto relevante é o relacionamento com a cultura local. Existe um meme na internet que diz: “o povo não gosta de artistas, mas sim de gente famosa”. Quantas vezes deixamos de valorizar um artista local simplesmente porque é da nossa cidade? Frequentemente, eventos culturais de fora atraem grandes públicos, enquanto um talento local mal recebe apoio de sua própria família ou amigos. Será que há receio de que essa pessoa se torne famosa?

Este breve texto não busca apenas retratar as trajetórias difíceis e muitas vezes subvalorizadas dos artistas enquanto vivos, mas também criticar como o público, a mídia e as instituições culturais frequentemente negligenciam e marginalizam o talento verdadeiro, favorecendo o sensacionalismo ou a busca por notoriedade. É preciso apoiar e celebrar os artistas, principalmente os locais, enquanto estão conosco. Isso permite que o impacto de suas obras enriqueça nossa experiência cultural regional de forma contínua e significativa, e não apenas após suas mortes. Se é para prestigiar, faça-o em vida.

* Toni Ramos Gonçalves

Professor de História, Escritor, Editor, ex-presidente e um dos fundadores da Academia Itaunense de Letras – AILE. Graduando em Jornalismo.