A DOCE LOUCURA DO VIVER

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@toniramosgonçalves*

Em um mundo que insiste em impor prazos de validade aos nossos sonhos e alegrias, existem aqueles que desafiam os ponteiros do relógio, dançando ao ritmo de um coração que permanece eternamente jovem. Esta é a história de pessoas como eu, que aos 52 anos, capturam a essência do carnaval com a mesma vivacidade de alguém de 18 anos. Fantasiar-se de palhaço, vestir-se de mulher e mergulhar na festividade dos quatro dias de carnaval pode ser visto por muitos como um ato de pura loucura.

A magia do carnaval foi plantada em meu coração desde os três anos, nas matinês do Clube União, na década de 1970, com suas marchinhas e alegria contagiante, semeando em minha alma uma paixão inabalável pela festa. Uma paixão que cresceu, floresceu, e foi generosamente compartilhada com meus filhos, perpetuando a tradição da alegria, da música e da dança. Guardo com carinho as lembranças dos carnavais de outrora, vividos em locais como a Praça da Estação, a Praça da Matriz e, por fim, na Avenida Jove Soares.

Muitas pessoas da minha faixa etária preferem a tranquilidade, citando a falta de energia, o interesse por atividades menos exaustivas ou mesmo por motivações religiosas. Em um contexto global crescentemente voltado ao individualismo, o carnaval surge como um desafio, pois se opõe à deterioração das relações coletivas, revitaliza conexões que resistem à fragmentação da comunidade, reforça sentimentos de pertencimento e interações sociais.

Contudo, em meio a essa onda de justificativas – algumas que nem Jesus aguenta – eu me torno um folião incansável. Para mim, a idade é apenas um número, incapaz de reprimir o espírito festivo que me motiva. O carnaval assusta porque nos coloca diante do assombro da vida. Para uma parcela do Brasil marcada pelo individualismo, exclusão, seriedade excessiva e aversão à diversidade, e para quem vive de forma reclusa, é desafiador encarar uma celebração que é, por natureza, coletiva, acolhedora, festiva, plural, vibrante e rueira.

Neste ano, minha folia teve início em Itaúna, onde me fantasiei de mulher para participar do descontraído bloco “Pau de Gaiola”. No dia seguinte, sambei até altas horas, numa energia contagiante, embalado pelo som vibrante da bateria da Beija-Flor, a ponto de aparecer no noticiário MGTV da Rede Globo, ao lado do amigo Hercílio Júnior. Para finalizar minha experiência carnavalesca em Itaúna, no sábado, acompanhei o desfile ao som das marchinhas tocadas pela tradicional Banda Esplendor e Glória.

Nos dias que se seguiram, meu retorno ao carnaval de Belo Horizonte – o coração do carnaval no Brasil –, especialmente após o período pós-pandêmico, transformou cada momento em um tributo à alegria e à resiliência da vida. O reencontro com amigos, que agora incluíam alguns com filhos e outros que haviam se casado, assim como a oportunidade de fazer novas amizades, enriqueceu ainda mais a experiência.

Foi impossível não se emocionar ao ouvir as músicas bregas de Sidney Magal e Gretchen tocadas pelo Bloco “Beiço do Vando”, diante do decorado Colégio Arnaldo, enquanto uma chuva passageira aliviava o calor humano e do ambiente. No dia seguinte, sorrir e celebrar a vida no “Bloco Daquele Jeito”, cercado por uma diversidade de pessoas que nos divertiam com suas fantasias engraçadas e indecifráveis, tornava tudo mais especial. Correr como um louco pela Rua da Bahia, entregando-se à euforia, e chegar à Praça da Liberdade, toda decorada, foi uma experiência única. Perder-me na Savassi e ser arrastado por uma multidão de um bloco, cujo nome nem me recordo, e atravessar as ruas enquanto carrego uma pesada caixa térmica, são apenas partes da aventura. Enfrentar os desafios dos banheiros químicos e, no fim, encontrar-me em frente a um bar lotado, apenas para sentar-me na calçada e saborear um prato de tropeiro, e assim tentar prolongar a felicidade daqueles momentos.

Embora o Brasil não seja o criador do carnaval, é inegável que, através da diversidade de suas celebrações, algo extraordinário aconteceu: o carnaval moldou uma nação única e imaginável, contrapondo-se ao cenário de terror que historicamente definiu o país.

“O brasileiro sofre, mas arrasa na felicidade, né? Fudidos e mal pagos, mas pelados no carnaval… genial”, disse Rita Lee ao se referir à folia mais linda que existe.

O carnaval é mais do que uma festa; é um estado de espírito, um lembrete de que a alegria não conhece idade e que a vida, com todas as suas cores e ritmos, é uma dança que merece ser vivida plenamente, em todos os seus momentos.

O bom é saber que no ano que vem tem mais.

– Ah, que doce loucura é viver!

* Toni Ramos Gonçalves

Professor de História, Escritor, Editor, ex-presidente e um dos fundadores da Academia Itaunense de Letras – AILE. Graduando em Jornalismo.