A PEDRA NEGRA

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Prof. Luiz MASCARENHAS*

 Ao cair da tarde, quando o sol começou a doirar a paisagem, assentei-me no alto da pedra negra. No Rosário da laje, à sombra da cruz, e pus-me a contemplar minha Itaúna.

 Assentado na pedra negra deixei minhas retinas cansadas e minhas lembranças carcomidas flertarem com a paisagem.

 Itaúna. Minha Itaúna. A Itaúna menina de outrora que cresceu comigo e junto a mim. Amo-te muito, terra bendita de Sant’ana do São João Acima.

 Itaúna. Minha Itaúna que não me viu nascer, mas me viu crescer e sonhar.

 Sob o teu céu, de intenso azul ( “o mais belo horizonte da doce terra de Minas”, segundo João Dornas Filho…) onde do alto, pairam esperanças e cores; prontas para tecer com brilho o amanhã de nossas vidas.

 Ah, Itaúna. Se tu soubesses o quanto a amo…

 Declaro aqui o meu amor por ti.

 Aqui, do alto da pedra negra, contemplo a Vida que é em ti.

 São cores, sabores, cheiros, sorrisos, lágrimas, esperanças e dúvidas. Em tantas ruas ficou minha Vida.

 Silva Jardim. A Silva Jardim de minha querida infância, que os anos…não trazem mais. Meus pais jovens e cheios dessa Vida mineira, larga e gostosa – vindos do Caeté ou da Grande São Paulo –  vida  que escorre do alto dos montes e transpassa por nossas vielas e becos.

 Ah, Itaúna menina dos meus sonhos… Do grupo escolar, de salas amplas e assoalho de tábuas largas…Da Silva Jardim de mão dupla e calçada de pedras…dos laguinhos da praça e das pipocas do Dico.

 Ah, Itaúna…A Itaúna de Sant’ana, a velha padroeira no alto da Paróquia. O incenso, os sinos, as campainhas…e o meu Pe. José…”óremus”…o homem da Fé. Marcou-me muito.

 Aqui, assentado na pedra negra, relembro até Raul…e penso, os sonhos não desfazem aquilo que o padre falou…mas no desembrulhar da Vida, os sonhos perdem muito de seu viço e muitos se tornam cinza, como a paisagem perdida numa foto antiga da Itaúna menina…

 A pedra negra do meu cotidiano… O puxar rápido das portas da Casa Adolfo Mendes, sempre ao pulsante badalar das 6 da tarde…os pastéis da Brasiliana e as conversas soltas do dia a dia do comércio; entre rádios motorolla e fornos layr…A  Escola Normal;  professores e amigos…do sapato preto vulcabrás, sempre muito polido e do uniforme quente de tergal. Do Prof. Mário Penido…de suas broncas e suas folhagens que povoavam toda a escola…

 Subir a Silva Jardim era imperioso para todos os itaunenses.  Revejo casarões e casas elegantes que hoje, como muitos dos meus sonhos, viraram pó…Quem se lembra do ipê amarelo da “Villa Yedda”, lá vizinho ao Colégio Sant’ana??? Pois sim…

 Seu Jésus da farmácia e seu Chico Saldanha, com a pequena leiteira às mãos e sempre de bom humor e com um caso pra contar… Major Rui era vizinho da loja. Imponente figura do militar reformado…e engraçado, me lembro; Segunda Guerra Mundial , ele e o simpático Dr. Inácio Campos Cordeiro, com muitas histórias para contar…Seu Levi do banco, seu Avides da loja, seu Athayde – meu primeiro patrão. Seu Ari da farmácia, seu Adotivo…e o seu Mazico, do frango assado? Hum…que cheiro bom.. Seu Luiz Fagundes e seu chapéu de palha de abas largas…e o Célio da Joia Presentes.

 A vitrina da Joia era um caso a parte. Haviam carrinhos de ferro que imitavam os de verdade…eu ficava encantado! Sair da missa na matriz, sábado à noite e  ir visitar as vitrinas das lojas, da Silva jardim. Eram sempre muito bonitas  e muito bem ornadas. No Natal então, que sonho! As famílias iam em grupos, assim, passeando a noite pela praça.

 Itaúna menina…da minha infância. Que com as mãos nos grandes gradis de ferro, cheios de arabescos, fitava os cartazes dos filmes do Cine Rex. Quando não embarcava com minha mãe para Divinópolis logo ali, próximo do Bar e Restaurante “Automóvel Clube” de gostosa comida. Rodoviária improvisada da praça. Na meninice, levava um pacotinho com as encomendas dos óculos para o Chicão motorista, entregar na loja de Divinópolis. Era assim. E o bar do Cilico? Ainda me lembro do velho casarão do Cel. Arthur Vilaça…

 O opala do Baiano, que enfumaçava o caminho por onde passava e o DKV Vemague do Dr. William Leão, a berrar o motor escandalosamente pelas vias públicas. Bem, havia outro opala…lindo, eu achava. Vermelho e de capota de vinil, sempre muito limpo, enceradinho, do Benevides Garcia.  Na casa dele, ali na Arthur Vilaça, havia uma placa como essas de rua…”Benevides Garcia – Fotógrafo” E me lembro bem, de uma estatueta do Galo com a bola aos pés. Tantas pessoas…tanta gente povoa minhas memórias. E os engraxates da praça, quem se lembra?

 E os nossos “tipos populares”, emoldurados pelo Osvaldo fotógrafo…o da kombi azul! “Aqui tem, mas acabou”…preconiza  meu amigo prof. Sílvio Bernardes.

 Aqui, assentado no alto da pedra negra, o vento ainda me trás as falas do Dr. Guaracy…”barranqueiros do Rio São João”…e deitava a sua invejável oratória. Ele encarnava essa Itaúna menina que hoje já tão cosmopolita vai perdendo seus costumes e esmaecendo em sua identidade. O apito da Itaunense também vem no vento…”vamos almoçar porque a fábrica já apitou”…

 E como esquecer as especiais amigas da Mello Vianna…Bernardina e Auxiliadora.

 Muita saudade de tantas pessoas iluminadas que pontilharam os  meus caminhos…

 Dunga, Nycia e eu e nossas cantorias na Matriz e nas formaturas de nossa Grande Universidade….”Amigos para Sempre”!

 Parece-me que em minha existência eu peguei o crepúsculo de toda uma Era.

 Mas, não faz mal. Aqui estou- Itaúna –  fitando-lhe o passado, refletindo seu presente e pensando em seu futuro.

 “Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia”…canta o Lulu Santos e com certa razão. A História não é cíclica, ela é para frente.

 E eu já tenho tanta História para contar… E gosto de usar pena e papel. A Escritora  Maria Lúcia Mendes, nossa Dama das Letras,  inspirou-me sobre a pedra negra… a laje dos anseios e sonhos de todos nós.

 Hoje, eu e meus amigos, nos vemos nos papéis daquelas pessoas que um dia conhecemos e convivemos. Até o bispo é um velho amigo de colegial…e segue a roda viva e cantam-se nossos sonhos e deita-se nossa ilusão e nossos passos ficam pelo chão na longa estrada da Vida.

 E como entoa alegre  o Pe. Amarildo: “viver e não ter a vergonha de ser feliz!”

 Itaúna…a pedra negra eu quero sempre com grande respeito e reverência beijar!

 Reverencio sua História ( obrigado João Dornas Filho, Pancrácio Fidélis, Dr. Osmário,  Dr. Miguel, Dr. Guaracy…) e – a meu modo – ajudo a construir o seu presente e ofereço-lhe minha pobre, mas sincera contribuição.

 God bless you, Blackstone City.

 E viva Itaúna!

*barranqueiro de Sant’ana do São João Acima.

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