CENTENÁRIO FERNANDO SABINO (1923-2023)

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O JORNALISMO LITERÁRIO NA OBRA DE FERNANDO SABINO

@toniramosgoncalves*

O jornalismo literário, frequentemente associado a narrativas de não ficção, como livro-reportagem, biografias e crônicas, é um estilo de escrita que combina elementos do jornalismo convencional com técnicas literárias. No contexto da literatura brasileira, desempenhou um papel relevante, contribuindo para o desenvolvimento da narrativa jornalística e influenciando a maneira como eventos e histórias são narrados.

O jornalismo literário teve sua origem nos Estados Unidos em 1960, especialmente com o escritor Truman Capote, o pioneiro deste gênero com o livro “A Sangue Frio” (1966), classificado por ele como um romance de não-ficção. No Brasil, a literatura estava muito presente nos primórdios do jornalismo. Sua história remonta a autores como João do Rio e Lima Barreto, que, no início do século XX, utilizavam elementos literários em suas crônicas envolventes e ricas em detalhes.

No entanto, é essencial reconhecer que a semente do jornalismo literário no Brasil foi plantada por Euclides da Cunha em 1887, quando foi enviado pelo jornal “O Estado de S. Paulo” para cobrir a Guerra de Canudos. Seu trabalho magistral em “Os Sertões” não apenas descreveu os eventos da guerra, mas também aprofundou-se nas questões sociais e culturais da região, enriquecendo a narrativa com elementos literários. Esse feito notável estabeleceu um precedente fundamental para a aproximação entre o jornalismo e a literatura no Brasil.

Um exemplo notável do jornalismo literário de não-ficção na literatura brasileira é “Rota 66” (2003) escrito por Caco Barcellos, onde o autor desmonta a intricada rede policial que formou o “esquadrão da morte oficial” montado em São Paulo. Resultado de uma investigação meticulosa e audaciosa. Este livro vai além de uma simples exposição dos eventos, mergulhando profundamente nas histórias, denunciando os crimes cometidos por agentes de segurança pública. Assim, o jornalismo se transforma em uma forma de literatura envolvente. Autores como Daniela Arbex (Holocausto Brasileiro, 2019), Drauzio Varella (Estação Carandiru, 1999) e Eliane Brum (Banzeiro òkòtó: Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo, 2021), que possuem uma sólida base no jornalismo literário, também se destacam por produzir obras literárias que incorporam elementos da reportagem em suas narrativas não ficcionais.

Fernando Sabino, cujo centenário celebramos, é um destacado nome na literatura brasileira que também influenciou significativamente sua geração no jornalismo literário. Sua maestria em narrar histórias do cotidiano de maneira envolvente, dotada de uma voz singular e pessoal, é notável. Sabino frequentemente fundamentava suas crônicas em suas próprias experiências, conferindo às suas narrativas uma dimensão única.

O “Livro Aberto” (2001) é uma obra fascinante, pois reúne textos escritos desde a juventude do autor e originalmente publicados em jornais, oferecendo assim um panorama abrangente de sua obra ao longo do tempo. A sua primeira crônica “O Caçador de Borboletas” (escrita aos 15 anos de idade) foi para a revista Alterosas de Belo Horizonte, sobre sua conversa com um passarinho.

Entre os contos do autor, destaca-se um dos primeiros a ser publicado em revista, intitulado “Uma Ameaça de Morte”, que veio a público na Revista Carioca em 1938. Este conto ganhou uma versão em formato de livro publicada pela Editora Rocco em 2005, um ano após o falecimento do escritor. A história se desenrola em torno de Ferreira, um novo rico que recebe um bilhete ameaçador, levando-o a contratar os serviços do Sargento Faria para investigar a situação.

Um de seus romances mais conhecidos é “O Encontro Marcado” (1956), na qual ele narra encontros e histórias que presenciou em seus anos como jornalista. Essa obra captura a essência do jornalismo literário ao mesclar detalhes precisos com uma prosa elegante e reflexiva. Ele transformou eventos e encontros aparentemente banais em uma obra cativante que proporcionou conhecimentos profundos sobre a sociedade e a natureza humana.

Experiente cronista, Fernando Sabino manteve uma presença constante nas páginas de jornais e revistas do país durante décadas, cativando uma legião de leitores com sua prosa fluente e perspicaz. Suas crônicas frequentemente exploravam temas do cotidiano, como amizade, amor, família e as nuances das relações humanas. Além disso, Sabino demonstrou habilidade ao abordar questões sociais e políticas com profundidade, revelando sua capacidade analítica e compreensão das complexidades do Brasil e do mundo.

No seu centenário, Fernando Sabino é lembrado por suas contribuições significativas para o jornalismo literário no Brasil. Sua capacidade de contar histórias com empatia e autenticidade, sua sensibilidade para as nuances da vida cotidiana e sua voz pessoal distinta o tornaram um autor influente e apreciado em ambas as esferas literárias e jornalísticas. Seu legado continua a inspirar escritores e jornalistas contemporâneos no Brasil.

* Toni Ramos Gonçalves

Escritor, editor, ex-presidente e um dos fundadores da Academia Itaunense de Letras – AILE. Graduando em História e Jornalismo.