Comentário sobre a obra “Os Girassóis de João”, de Maria Lúcia Mendes

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É conhecida em Itaúna a notoriedade da literatura de Maria Lúcia Mendes. O escritor Toni Ramos Gonçalves já chegou a se referir a ela como “a dama das letras de Itaúna”.  Tive contato com a escrita dessa itaunense primeiramente na coletânea “Hipérboles”, publicada pela Editora Ramos, numa outra coletânea de textos organizada pela Academia Itaunense de Letras (AILE) e publicada pela Caravana Editorial; e agora no seu último livro publicado, intitulado “Os Girassóis de João”.

Sua já conhecida subjetividade intimista, e, por que não, até saudosista, é marca dessa obra. As narrativas, em sua maioria contos, ocorrem ou sob a óptica de uma criança ou então têm em alguma criança seu personagem principal. Em suas histórias, há um apreço pela inocência, pela pureza infantil. Pessoalmente, acho isso bonito e até um ato de resistência em tempo de tamanho pragmatismo. Exemplo do conto “Waldomiro, o pescador”: “Amanhã eu volto, isto é lagoa, viu? Quer apostar? – E antes que eu responda, sai correndo, deixando no chão molhado o rastro de seus pezinhos descalços”.

Mas mais que esse cerne temático-estilístico que a obra traz, o que mais me agradou foi a riqueza dos aspectos sociológicos apresentados nas entrelinhas dos contos. São diversos exemplos ao longo da obra: o determinismo e vulnerabilidade sociais associados ao preconceito no conto “Natalino”, a incrível óptica realista por traz da aparência descrita no conto “Sapatilhas douradas”, o retrato social, histórico-cultural desenvolvido no belíssimo conto “No tempo das varas”, o paternalismo machista e interesseiro na obra “Bentinho do Sertão”, etc.

Essa outra característica é acompanhada às vezes de certo humor (“Elisinha fora à missa com a bunda de fora” – conto “Missa das oito”), às vezes de sugestão (“o casaréu virou um entra e sai de mulheres e entradas furtivas de homens. A moça continuou lá, rendendo reticências…” – conto “O Casaréu”). Me agrada muito também a sinestesia presente na obra, mais impactante em alguns contos, como em “Natalino”, que pra mim, é o melhor de todo o livro: “Entardece. No lusco-fusco da hora brilha a primeira estrela e, vista do morro a cidade é um mar furta cor piscando, piscando”. Confesso que chega a lembrar o belíssimo capítulo “As luzes do Carrossel”, do consagrado romance “Capitães da Areia”, de Jorge Amado.

Uma crítica que humildemente faço (e que em nada diminui a grandeza da obra) é que a linguagem nem sempre é condizente com a óptica de quem narra. Isso acontece especialmente nos textos em que o narrador é uma criança, mas também em algumas falas de personagens infantis. Penso que a utilização de vocabulário e escrita infantil seria mais condizente com a proposta e engrandeceria a catarse na leitura.

Por fim, parabenizo a respeitada autora por mais essa bela obra publicada; e agradeço por nos presentear, nesses tempos de tanta ansiedade com o presente e com o futuro, com essa literatura reminiscente, guardada na calma saudade do passado.

*Pedro Nilo Vilaça e Silva, 23, itaunense, graduado em Medicina e escritor literário.  Estreou oficialmente na literatura com a publicação do livro “De Versos: Instantes” em 2020, pela Editora Ramos, de Itaúna. Posteriormente, lançou a versão digital da obra pela Amazon, sendo o livro classificado entre os 50 livros do gênero poesia mais vendidos pela loja Kindle da Amazon em duas ocasiões: março e maio de 2021, inclusive contando com vendas internacionais.