Cuidado com as crianças ou censura?
Artistas e produtores culturais reagem ao projeto que “censura” eventos e nas escolas de educação infantil
A Câmara Municipal aprovou, o prefeito Neider Moreira (PSD) vetou e, agora, no apagar das luzes de 2023, os vereadores derrubaram o veto para manter o projeto de lei que propõe autorização prévia para que eventos sejam levados nas instituições de ensino de educação infantil – públicas e particulares. De autoria dos vereadores Kaio Guimarães (PSC) e Ener Batista (União Brasil), o projeto de lei argumenta que haverá avaliação antecipada de eventos, como peças teatrais e palestras, que possam trazer “temas relacionados ao fomento de ideologia de gênero, sexualização precoce ou qualquer outro incompatível com a faixa etária dos alunos da rede pública ou privada do município de Itaúna”. A matéria abrange palestras, peças de teatro, oficinas, feiras, distribuição de materiais ou qualquer outra manifestação semelhante e ficará sob responsabilidade dos diretores das escolas, bem como dos pedagogos, a análise prévia dos conteúdos que serão ministrados aos estudantes, cabendo a eles analisar os temas que serão abordados e se os mesmos são compatíveis com a faixa etária dos alunos que serão expostos ao conteúdo que será apresentado no âmbito escolar. Para além disso, fica facultado aos diretores e pedagogos convocar previamente o conselho de pais a fim de apresentar o conteúdo dos temas que serão abordados e apresentados aos estudantes.
Matéria inócua
A proposição foi vetada pelo prefeito porque é inconstitucional e traz vício de iniciativa. A derrubada do veto indica que a matéria não será aplicada e que poderá ser judicializada. Isto quer dizer que poderá não ter nenhum efeito prático. Ainda assim o Jornal S’PASSO foi atrás de artistas e gestores culturais para saber a opinião dos mesmos sobre esse projeto de lei. Os secretários de Cultura e Turismo, Joe (Ilimane Lopes Cardoso) e de Educação, Weslei Lopes, também foram abordados. Joe não respondeu à reportagem.
As escolas já fazem a triagem
O secretário de Educação Weslei Lopes reiterou que as instituições de ensino, hoje, já fazem essa triagem do que seria oportuno e relevante para as suas atividades. “É fundamental que observemos que toda atividade extracurricular que se insira nos planos de aula deve estar contextualizada com as habilidades e competências a serem desenvolvidas com cada grupo. Entendo serem esses os principais critérios a serem observados pelas próprias instituições escolares”, considerou.
Nunca vi nada disso
O professor de Capoeira, Denis Filhote, que atua nesta área há mais de 20 anos, ressaltou que nunca proporcionou, participou ou presenciou qualquer atividade do gênero citado na referida lei. “Somente pessoas que nunca participaram do dia a dia de uma escola acreditariam que tal evento seria ofertado e aceito dentro de qualquer ambiente escolar. Tanto diretores, coordenadores e professores sempre tiveram grande zelo e respeito para com seus alunos e familiares. E nunca aceitariam qualquer atividade que violasse a inocência de nossas crianças”, opinou.
Um absurdo!
Para a professora de música, Juliana Lima, “isso é um absurdo. (Os vereadores) querem interferir na educação de todas as formas. Não têm competência e nem formação para isso”.
Censura. Essa turma é um perigo para a cultura
Também o produtor de espetáculos artísticos Charles Telles reagiu com indignação quando soube que o projeto havia sido apresentado, aprovado e, vetado, mantido pelos vereadores. “Isso é censura. Não podemos aceitar isso. Quem são eles para saber avaliar o que é bom ou mal para os alunos? Temos que acionar ar o TSJ, isso é inconstitucional. Ouviram as pedagogas sérias? Essa turma é um perigo para cultura. Temos que nos movimentar. A maioria deles nem ao teatro vai”, pontuou.
Quem irá avaliar e com quais critérios?
O professor de História, poeta e escritor Geraldo Fonte Boa, escreveu à reportagem elencando alguns questionamentos. “Sobre esse projeto de lei, então joga para a escola a responsabilização, mas o julgamento será de quem? Dos vereadores? Com quais critérios? E se a escola autorizar quem vai dizer que o conteúdo é indevido? Os vereadores?! A direita conservadora?! Com quais critérios?! O Projeto não vai gerar insegurança jurídica, uma vez que parte de valores subjetivos? Temo que esta lei impedirá qualquer tipo de atividade cultural na escola, inclusive as religiosas, visto que os valores defendidos por uma determinada religião podem não serem aceitas por alguns pais de alunos ou membros de outra religião”, ponderou.
Todo conteúdo deve ser adequado à faixa etária dos alunos
Marco Antônio Machado Lara, médico e diretor teatral, disse que não conseguiu elaborar uma “resposta adequada” à pergunta, apesar de achar um assunto sério e grave. “Talvez por não ser um educador e não conhecer tão profundamente uma questão tão complexa como esta. Acho que todo conteúdo escolar deve ser adequado às faixas etárias dos alunos, respeitando as diferenças individuais, sem correr o risco de cair no domínio da censura e do preconceito”.
Proposição não pode trazer preconceitos de nenhuma espécie
O professor de arte, músico e artista plástico Levy Vargas revelou que estudou a lei e viu que ela traz alguns conteúdos pertinentes, embora ele, como professor das redes públicas estadual e municipal, acredita na capacidade das instituições para avaliar os conteúdos. “Elas têm capacidade e autonomia para avaliar e decidir o que vai ser levado para dentro das escolas. Quando essa autonomia fica limitada em função dessa lei, já que tudo terá que passar pelo crivo de pais, talvez até pela vereança, aí é uma ingerência negativa. Isso é mais sério quando se percebe que essa ingerência tenha um viés derrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr orientação religiosa. Mas essas pessoas, ao que parece, estão se referindo apenas às crianças, porque na realidade de nossa juventude, de nossa adolescência, essas orientações de gênero não acontecem nas escolas e elas podem criar preconceitos. Homens e mulheres trans, gays e lésbicas são realidade dentro da escola e são cidadãos como qualquer outro, têm que ter seu espaço na escola, na sociedade. Se for para reprimir, para alimentar preconceito, sou contra, mas, claro, sou totalmente a favor de proteger as crianças e dar a elas as devidas orientações ligadas à sexualidade, no memento certo, na idade certa. Dessa forma, tenho minhas ressalvas com relação a essa lei”, esclareceu.