Dia de Combate à Intolerância Religiosa

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Itaúna é um celeiro de diversidade e a história da cidade está ligada a várias religiões

21 de janeiro marca o “Dia Mundial da Religião” e também o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, instituído em 2007, após a morte da Iyalorixá baiana, Gildásia dos Santos e Santos. Fundadora do Ilê Asé Abassá, Gildásia, conhecida como Mãe Gilda, teve sua casa e terreiro invadidos por um grupo de outra religião. Injustamente caluniada, perseguida e agredida física e verbalmente junto com o marido, ela morreu, vítima de um infarto fulminante.

Apesar de no Brasil, a Constituição preconizar que é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida a proteção aos locais de culto e liturgias, a desinformação, o preconceito, a discriminação e a intolerância continuam sendo os principais motivos do desrespeito às religiões.

Intolerância religiosa retratada nas pesquisas

O professor e historiador Charles Aquino é autor de um estudo sobre a história da Intolerância Religiosa em Itaúna e relata que observou uma presença significativa de discordância, tanto de líderes religiosos quanto de algumas pessoas da comunidade.

Em sua pesquisa, ele relata que ainda no final do século XIX circularam rumores sobre a tentativa de suicídio do professor Plácido Domingos e a loucura da sua filha devido ao seu envolvimento no espiritismo. Surgiu outra história sobre um cadáver que o vigário local se recusou a enterrar, o que o levou a perambular pelas ruas de Itaúna até ser finalmente sepultado em um jardim. Por último, houve relatos de fechamento de igrejas e proibição de celebrações de Congado no início do século XX e, até mesmo, de celebração de batizado em razão dos nomes dos bebês.

“Pode-se argumentar que este não é um caso de intolerância, mas sim uma preocupação genuína de orientar os pais na escolha dos nomes dos seus filhos batizados. Um vigário expressou insatisfação com a tendência dos pais de selecionarem nomes gregos em vez dos nomes tradicionais a que a comunidade estava habituada, especialmente aqueles associados a santos”, afirma.

FILIPE ABNER

Falar de Itaúna é falar de religiosidade

O jovem historiador Filipe Abner Silva Souza, coordenador do Museu Municipal Francisco Manoel Franco, é o curador da exposição Religare, instalada permanentemente no local e autor de uma pesquisa sobre a religião no município. “Falar de Itaúna é falar de religiosidade. Nossa cidade surge com a colonização católica portuguesa, que partiu em busca do ouro, no século XVIII e se deparou com o mar de morros e serras da região. E foi em um desses morros que a cidade raiou, no alto do Rosário, onde foi construída a primeira igreja da cidade, a Capela de Sant’Ana, hoje conhecida como Igreja do Rosário”.

Raízes históricas forjadas na religiosidade

A pesquisa de Filipe Abner mostra que a construção da Igreja do Rosário foi responsabilidade do católico português Manoel Pinto Madureira, reconhecido pelo pesquisador Miguel Augusto Gonçalves de Souza como o primeiro povoador do arraial de Sant’Ana do São João Acima, hoje Itaúna. Antes da construção da Igreja, já existia um oratório no local, dedicado à Sant’Ana, avó de Jesus e padroeira do município.

“Somente com essa breve introdução, conseguimos perceber que as raízes e a cultura de Itaúna são forjadas na religiosidade. Mas, foi entre os anos 1940 e 1960 que a diversidade religiosa em Itaúna se mostrou, de fato, presente. Nesse período, a Igreja Evangélica estruturou seus templos na cidade. A Igreja Batista, Presbiteriana, Quadrangular e Assembleia de Deus foram as pioneiras. Os evangélicos sofreram muito com a perseguição religiosa e enfrentaram uma batalha social árdua para permanecer. No Censo 2010, os evangélicos representavam aproximadamente 15% da população itaunense. Um número expressivo, levando em consideração a ascensão recente e o contexto que surgiram”, pontua.

Turismo religioso, diversidade de crenças

A religiosidade em Itaúna tem um marco em 1955, quando a imagem de Nossa Senhora apareceu para três garotos na antiga Vila Mozart, dando origem à Gruta Nossa Senhora de Itaúna, ponto de peregrinação e turismo na cidade.

“Quando falamos de turismo na cidade sempre citamos monumentos e lugares importantes para a religiosidade, como a Capela do Bonfim, construída em 1853, no morro mais alto do município e o Vale da Divina Misericórdia”, observa.

Filipe lembra ainda que em 8 de julho de 1963 foi inaugurada a primeira casa espírita de Itaúna, o Grupo Espírita Francisco de Assis (GEFA). A doutrina espírita, outrora proibida no Código Penal Brasileiro, surge em Itaúna através da professora Nise Campos, sua irmã Jandira e o Sr. Ferdinando Suppa. Hoje, Itaúna conta com outras duas casas espíritas além do GEFA, o Núcleo Espírita Nosso Lar e o Grupo Espírita Eurípedes Barsanulfo.

“Itaúna é uma cidade majoritariamente cristã, mas outras práticas religiosas podem ser vistas. Próximo ao antigo Mercado Municipal, toda quinta-feira, às 18 horas, acontecem sessões de Umbanda, religião de matriz africana que conta com a presença de elementos cristãos e indígenas.

Recentemente, foi inaugurado o Centro Espírita Beneficente União do Vegetal, próximo à comunidade rural de Brejo Alegre, onde os praticantes utilizam do Ayahuasca para o desenvolvimento espiritual. Nossa terra é terra de inúmeras personalidades importantes para a religiosidade, nas mais diversas religiões. Impossível tocar nesse assunto sem falar de Irmã Benigna, itaunense de coração, que dedicou sua vida à prática do bem e ao amor ao próximo, reconhecida como “venerável” pelo Papa Francisco em 2022.

Um nome importante para a divulgação do espiritismo foi Irma de Castro, conhecida por Meimei, natural de Mateus Leme, mas moradora de Itaúna desde os dois anos de idade. Meimei foi professora e teve uma vida breve, com um papel importantíssimo no pós-morte, através das psicografias do médium Chico Xavier.

Por fim, podemos falar também da importância religiosa e cultural da Rainha Perpétua do Reinado de Nossa Senhora do Rosário, a Dona Sãozinha, que nos deixou recentemente. Dona Sãozinha é o verdadeiro significado de luta, cultura e religião. Seu legado se faz presente todo dia 15 de agosto, de frente à Igreja mais antiga da cidade e ao lado de uma Capela que ela própria ajudou a construir, em tempos de proibição da festa na cidade”, relata.

Religare

Em maio de 2023, o Museu Municipal “Francisco Manoel Franco” inaugurou a exposição “Religare” que conta, através das peças do acervo, a história e a cultura da religiosidade em Itaúna, mostrando objetos litúrgicas, peças da Matriz de Sant’Ana, imagens sacras, exemplares de religiões de matriz africana, entre outros.

“Por fim, o que é Itaúna senão palco das mais diversas manifestações religiosas? Um espaço democrático, progressista e aberto ao diálogo com os mais variados credos e culturas. Por mais que tentem minimizar esse discurso, nossa história conta por si só”, opina.

O que eles pensam sobre a intolerância religiosa e a luta pela liberdade de credo

Religiosos de Itaúna, convidados pelo Jornal S’PASSO falaram sobre essa data em que o Brasil celebra o combate à intolerância religiosa.

Liberdade, como pregou Jesus Cristo

“O ser humano é um ser religioso. Isto se manifesta em sua busca fundamental por um sentido transcendente para sua existência e em seus rituais para se conectar com o sagrado. Como cristãos, sabemos que este transcendente é Deus e o mesmo foi revelado plenamente por Jesus Cristo que, em sua vida, veio pregar a liberdade de toda e qualquer escravidão; fundamentalmente a escravidão do pecado que é a origem de todo mal: “Foi para a liberdade que Cristo nos libertou. Portanto, permaneçam firmes e não se deixem submeter novamente a um jugo de escravidão” (Gálatas 5,1). Uma das ramificações do pecado é a privação da liberdade, incluindo aquela que é fruto da intolerância religiosa. Privar a pessoa de professar publicamente e livremente sua fé, sob qualquer pretexto, é um modo de escravidão e controle que fere um direito fundamental e a dignidade da pessoa. Conforme artigo da ACN publicado em 13 de janeiro, o Papa Francisco sublinha que “a paz também exige o reconhecimento universal da liberdade religiosa. Há o perigo da perseguição educada disfarçada de modernidade e progresso”. Portanto, combater a intolerância religiosa não é sinônimo de relativismo e sim de defesa dos direitos da pessoa”. – Pe. Everaldo Quirino – Paróquia Sant’Ana

Dar visibilidade ao tema por todos os lugares

“O dia Nacional de Combate a Intolerância Religiosa 21/01 (Lei 20451/2019) entendo que é um dia de luta e de dar visibilidade ao tema através das mídias, igrejas, espaços públicos e órgãos públicos, levando informações e esclarecimentos à população, fazendo denúncias dos casos de discriminação, violência e preconceito como ferramenta de combate. Entendo, também, que essa luta tem que ser diária e constante principalmente para nós, povos das religiões de Matriz Africana, que, segundo as pesquisas, são as religiões que mais são vítimas da intolerância religiosa”. – Maria Cerila Silva Sousa – Religião de Matriz Africana – Candomblé

A liberdade de escolhas deveria ser uma prática natural e respeitada por todos

“É muito triste, em pleno século XXI, ser preciso estabelecer dia para lembrarmos que é preciso respeitar o outro. A liberdade de escolhas deveria ser uma prática natural na vida de todos nós. Não somente no campo religioso, mas em todos sentidos. Talvez a colocação combate à intolerância religiosa não seja a que melhor expresse a proposta desta data, principalmente no quesito religião, com seu verdadeiro objetivo que é religar o homem a Deus. Deus, que nos ensina o amor, o acolhimento, não combate, ainda que seja o bom combate, como dizem alguns, não podemos estar alimentando separativismos. Mas o que são palavras? Utiliza-se de palavras ideológicas para justificar atitudes contra a própria ideologia.

Enfim, a data é importante para lembrarmos que precisamos respeitar a escolha de cada um, o caminho que cada um deseja seguir. É íntimo, é escolha. Somente assim ele terá condições de viver a sua própria vida. Não nos cabe direcionarmos a vida da pessoa, ainda que seja no aspecto religioso, principalmente, porque a religião é íntima. Ela é uma ligação do ser, da criatura com o criador”. – José Eustáquio – Espírita

Quando obedecemos a Jesus, a sociedade é transformada, é liberta

“Disse Jesus: “Amai os vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem”. Mateus 5:44. Quando obedecemos a Jesus, a sociedade é transformada, é liberta, e a reciprocidade acontece, pois agradamos o nosso Pai que está no céu. Não aceitemos a manipulação, pois fará crescer o ódio e o preconceito, trazendo como consequência a perda da nossa liberdade de culto. Um abraço a todos”. – Pastor Isaque Sena – Igreja Aliança Viva – Presidente Conselho de Pastores.

A intolerância existe porque não temos educação e respeito com o outro

“A intolerância religiosa existe porque ainda não temos educação e respeito para com o outro e o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa ainda é necessário para lembrar que cada ser tem o direito de escolher a religião que melhor atenda suas necessidades íntimas”. – Sandra Maria Teixeira – Grupo Espírita Eurípedes Barsanulfo