Em pronunciamento na Câmara Municipal na última semana, a vereadora Edênia Alcântara (PDT) disse que a juventude de Itaúna está pedindo socorro e que é necessária a implantação de políticas públicas voltadas para esse público, a fim de oferecer um novo sentido à vida dos jovens.
A vereadora fez também referência à ocorrência de um número elevado de suicídios entre os jovens e pediu para que o governo municipal invista mais em programas culturais, esportivos e de saúde mental, destinados a crianças e adolescentes. Na sua visão, o Centro da Juventude, que está migrando da Secretaria de Desenvolvimento Social para a Gerência de Cultura da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo, está esvaziado e precisa ser objeto de construção coletiva para tornar-se aglutinador de novas ideias.
O tema levantado pela vereadora tem sido matéria recorrente de reportagens do Jornal S’Passo. Nessa edição, a última do mês de setembro que remete ao combate e prevenção ao suicídio, conversamos com psicóloga e professora, Cristiane Nogueira, da rede de saúde mental de Itaúna e conselheira do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais.
Na sua opinião, o número de suicídios em Itaúna é grande, como é grande em outras cidades, pois na maioria, há um mito e uma narrativa de que em determinado lugar o índice de suicídios é maior que em outros. Para Cristiane, é preciso desconstruir a ideia de que Itaúna é de determinada forma, quando o assunto é suicídio. “Devemos sempre considerar que este é um problema de saúde pública, pandêmico, inclusive, e que deve ser enfrentado com a seriedade que o tema pede”, salientou. A profissional afirma que quando se trata de suicídio, é preciso ter como referência os números oficiais e epidemiológicos, porém esses são apresentados somente com atraso de dois anos.
“Então, não há dados de 2021, até porque o ano está em curso, o que torna ainda mais difícil estabelecer comparativos com outros anos”, diz. Segundo a psicóloga, em análises anteriores, os números se mantiveram próximos quando comparados anualmente.
A mídia deveria seguir a cartilha da OMS
Ao destacar a qualidade do serviço prestado pela rede pública de Itaúna às pessoas cuidadas por tentativa de suicídio e seus familiares, Cristiane Nogueira destaca alguns erros quando a abordagem é feita em nível nacional.
“Não existe no Brasil uma política verdadeira para a prevenção do suicídio. Não temos investimento federal, nem estadual e, por isso, todas as iniciativas são de nível municipal. Além disso, vemos por parte do governo federal um ataque e sucateamento das políticas públicas de saúde mental construídas no Brasil ao longo dos anos, sem que houvesse a criação de novos dispositivos para o enfrentamento da questão do suicídio. Isso enfraquece o que já existe. É um tema muito complicado, principalmente porque no Brasil não conseguimos cumprir a meta de reduzir o número de ocorrências e, em 2020, os números aumentaram. Este é um desafio de saúde pública que para ser enfrentado precisa do envolvimento de todos os setores da sociedade”, ponderou.
Com relação ao papel da mídia, ela entende que os veículos de comunicação, em geral, precisam levar o assunto mais a sério. “Na imprensa não se fala do assunto com a justificativa de que o tema é um tabu. Mas também não se qualifica a forma de falar, desconsiderando a existência de uma cartilha da Organização Mundial da Saúde que instrui a forma de como a mídia deve abordar o assunto. Acho que essa qualificação é urgente e precisa ser feita, inclusive em Itaúna”, avalia.
Agir com seriedade, sem politicagem
Acerca da forma como o assunto foi tratado na Câmara Municipal essa semana, Cristiane Nogueira disse que não assistiu à reunião, mas ressaltou que leva muito a sério o problema e lembrou que atua no Conselho Regional de Psicologia com a questão da prevenção do suicídio. Ela disse ser lamentável que, às vezes, uma temática tão complexa seja discutida “de forma leviana e politiqueira”.
Cristiane lembra que há uma completa desinformação quando se fala em ‘Setembro Amarelo’, campanha que não foi instituída com o propósito de ofertar tratamento, mas com a proposta de prevenção universal. “A ideia é levar informações e orientação para a população como um todo, desconstruir mitos em torno do suicídio, mas também acerca de problemas da saúde mental. Então, Setembro Amarelo é uma campanha e questões de políticas públicas, que sejam para a juventude ou para outros públicos, não são afins à campanha que é uma iniciativa para tratar o que é relativo à prevenção e à valorização da vida”, esclareceu.
Problema sendo cuidado o ano inteiro
A profissional destaca que questões de sofrimentos mentais precisam ser pauta constante das autoridades de saúde e que municípios, como Itaúna, não podem descuidar e correr o risco de que esses temas sejam abordados somente no mês de setembro.
“Em Itaúna, pelo menos há cinco anos, temos trabalhado a questão do suicídio de forma permanente. É necessário qualificar as ações e entender que precisamos trabalhar a prevenção ao suicídio de setembro a setembro, porque as pessoas não sofrem depressão somente nesse mês. É preciso discutir, trazer a temática, criar espaços de fala durante todo o ano, nos mais diversos lugares e nos inúmeros espaços”, salientou.
Prevenção ao suicídio e apoio a famílias enlutadas
Cristiane insiste que o suicídio deve estar na pauta da saúde pública durante todo o ano, mas que é necessário que haja um mês dedicado ao tema para que a prevenção seja discutida de forma mais contundente. Se não fosse assim, talvez não haveria espaços para falar. O tema tem que ser disponibilizado em toda a sociedade para que as pessoas se sintam confortáveis para falar de sua dor, dos seus problemas e para buscar ajuda profissional se precisarem.
“Existem muitos tabus em torno das doenças mentais, além de muito preconceito. Precisamos enfrentar isso, desconstruir essa narrativa para que as pessoas possam falar e serem ouvidas. Em Itaúna, temos trabalhado para divulgar a campanha, ofertado treinamentos, capacitação de forma contínua para os profissionais de toda a rede, criando fluxos de atendimentos e parcerias. Eu avalio que a cidade tem avançado bastante na prevenção do suicídio, principalmente com a discussão nas escolas, com alunos e professores, de maneira contínua. Claro que ainda há questões para serem enfrentadas, para a gente avançar e uma delas é a pósvenção, que é o trabalho com as famílias enlutadas pela questão do suicídio. Porém, o município tem lidado com a questão de maneira séria e compromissada”, afirmou.