ESPÍRITOS DE UMA ÉPOCA

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@toniramosgoncalves*

Qualquer amante da leitura naturalmente sente afinidade por profissões, no caso em questão de historiador, que demandam extensa leitura, especialmente quando se considera o fato de que a literatura, neste contexto, é uma fonte de inestimável valor. Isso se deve ao fato de que a literatura é um compêndio de percepções individuais dos autores, as quais, em sua singularidade, refletem as visões da sociedade da época em que viveram. Mesmo obras literárias de natureza fictícia têm o potencial de nos falar muito sobre a época em que foram produzidas.

Desde o século passado, os historiadores têm se aproximado cada vez mais dessas fontes e se familiarizado com elas. Tornou-se uma prática comum apresentar pesquisas históricas usando uma linguagem mais acessível e de diálogo, que se assemelha mais à linguagem literária. No entanto, não devemos ser ingênuos ao pensar que a conexão entre literatura e História surgiu apenas devido à expansão das fontes históricas durante o século XX, com a influência da Escola dos Annales. Epopeias (A Odisseia, de Homero), romances (Os sertões, de Euclides da Cunha), poemas (Navio Negreiro, de Castro Alves) e peças teatrais sempre estiveram intimamente ligados ao registro histórico, seja para glorificá-lo ou para satirizá-lo.

De acordo com a historiadora Sandra Pesavento, a fonte literária possibilita-nos a produção de saberes sobre como dados fatos e conjunturas históricas foram percebidos pelos homens do passado, mais do que isso, quais comportamentos sociais foram gerados em função desta ou daquela situação histórica. (PESAVENTO, 2006)

A crônica jornalística é um gênero que representa muito bem a relação entre História e Literatura. Publicada em jornais, ela aborda situações do cotidiano das cidades. Um autor que merece destaque é João do Rio, com seu livro “Vida Vertiginosa” (1911), que retratou o Rio de Janeiro durante a Primeira República, um período de modernização urbana e introdução de novas tecnologias, como os automóveis, além das reações ao contexto, enfatizando a velocidade da modernidade.

Poderia mencionar inúmeras obras de autores brasileiros como exemplos. No entanto, neste momento, gostaria de destacar brevemente alguns autores itaunenses, pois eles são guardiões das memórias locais.

O principal nome da historiografia itaunense foi João Dornas Filho (1902-1962). Ele é autor de dezenas de livros com conteúdo histórico, todos publicados e amplamente distribuídos em todo o país, abrangendo um período que se estende desde a década de 1930 até a de 1950. Dornas deixou um legado duradouro por meio de suas obras, que incluem crônicas, poemas e artigos publicados em inúmeros jornais e revistas brasileiras. Seu primeiro livro “Itaúna – Contribuição para História do Município” (1936), traz informações dos primórdios da cidade, seja na economia, política, religião, cultura e lazer.

Outro autor itaunense, entre muitos que se destacaram nos jornais locais, quero citar Péricles Gomide Júnior e seu livro “Crônicas e Narrativas de Pancrácio Fidélis” (1961). Ele publicou inicialmente suas crônicas no extinto Folha do Oeste, na década de 1950, nas quais trazia situações cômicas ocorridas na cidade, citando personalidades locais. Através de seus textos, ele não apenas capturou a história de Itaúna, mas também nos deixou uma herança de risos e reflexões sobre a vida e a sociedade. Até hoje, muitas histórias contadas por ele ainda são assuntos frequentes, motivo de boas risadas, nos botecos da cidade e momentos de encontro.

Um livro negligenciado pelos historiadores tradicionais é “Itaúna através dos tempos” (1981), no qual a escritora Iracema Fernandes de Sousa, aos 78 anos, publicou suas memórias com a intenção de preservar a história local, uma vez que conviveu com inúmeras pessoas e famílias. Um destaque deste livro refere-se ao relato da gripe espanhola de 1918, uma epidemia que causou muitas vítimas em todo o mundo, inclusive em Itaúna.

Das obras literárias mais recentes de autores itaunenses, destaco “Crônicas Barranqueiras” (2015), escrito pelo professor Luiz Mascarenhas. Trata-se de uma coletânea dos seus textos publicados no jornal Brexó, que oferece uma rica perspectiva sobre a história de Itaúna ao longo do tempo.

A relação intrínseca entre História e Literatura é um testemunho da profundidade da experiência humana, onde a literatura age como um espelho das sociedades passadas e seus anseios. Ao longo do tempo, percebemos que as palavras dos escritores são mais do que meros relatos de eventos; são janelas para os “espíritos de uma época”, como afirmou a historiadora Sandra Pesavento. A literatura não é apenas uma forma de entretenimento, mas também uma ferramenta vital para a compreensão de nossa própria história e identidade. Através dela, as vozes do passado continuam a ecoar, iluminando nossa jornada na busca do conhecimento e da conexão com o mundo que nos rodeia.

* Toni Ramos Gonçalves

Ex-presidente e um dos fundadores da Academia Itaunense de Letras

Graduando em História e Jornalismo.