Há sessenta anos o país sofria o golpe civil-militar de 31 de março

Convidados a falar do tema, seis décadas depois, alguns professores de História ainda temem represálias e perseguições

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Neste domingo, 31 de março, completam 60 anos do golpe civil-militar de 1964, que instalou no Brasil uma ditadura que durou mais de vinte anos (1964-1985) e que prendeu, cassou mandatos e direitos políticos, proibiu eleições em todo o país, censurou artistas e intelectuais, caçou e matou inúmeras pessoas contrárias ao regime. O golpe de 31 de março e a ditadura militar foram financiados por empresários brasileiros e organismos internacionais e comandados por políticos que se revezaram no poder durante mais de duas décadas.

O que podemos falar e como podemos abordar o golpe militar no Brasil no seu 60º aniversário? Essa pergunta foi encaminhada pelo Jornal S’PASSO a vários professores de História em Itaúna. Alguns se desculparam por não poderem responder, alegando que trabalham em instituições particulares, que poderão sofrer alguma retaliação ao se manifestar sobre um tema ainda incômodo – e porque não dizer inconveniente – ou ter algum dissabor com os próprios familiares num ano eleitoral em que as ideologias são controversas. Outros justificaram falta de tempo para responder “uma questão tão importante e complexa”. E alguns sequer não deram retorno à reportagem.

Entretanto, outros não deixaram de dar a sua contribuição, honesta e clara, acerca deste fato histórico.

Página infeliz da nossa história 

“2024, 60 anos do GOLPE MILITAR NO BRASIL. Também chamado de GOLPE CIVIL-MILITAR, que perdurou por 21 anos de torturas, mortes, prisões, desaparecimentos. Período sombrio que arrasou com gerações, corpos e mentes. Interrompeu vidas, sonhos e projetos com mãos de aço e botina de ferro. Dilacerando cérebros pensantes de uma nação. Foram caçados e tirados de cena estudantes, cientistas, artistas, trabalhadores, professores, militantes políticos, lideranças religiosas, indígenas, camponeses. 21 anos de atraso e retrocesso que ainda assolam o Brasil. Contudo, é preciso vigiar e lutar para reconstruirmos e consolidarmos nossa tão frágil democracia. O que falar e como falar dos 60 anos de golpe que nos levou a uma ditadura? Começamos por falar, trazer para o cenário atual a memória daqueles que lutaram para que eu possa estar aqui hoje refletindo e falando de períodos sombrios. O fascismo sempre está à espreita para devorar, sufocar e destruir qualquer sopro de democracia, portanto, devemos falar, escrever e refletir nas escolas, nas famílias, nas igrejas, nos sindicatos, nas câmaras, assembleias, parlamentos e em todos os espaços habitáveis. Hoje e sempre * “… é preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte…”

*trecho da canção ‘Divino Maravilhoso’, composição de Gilberto Gil/Caetano Veloso e interpretada por Gal Costa”

Regina Glória –  graduada em História pela PUC/Minas. Atriz da !nstável Cia. de Teatro e membro/fundador da Associação Cultural Vânia Campos ACVC

As nossas lutas continuam, diferentes, mas continuam

” O que faz do brasil, Brasil ou do Brazil, Brasil? Até hoje não há uma resposta definitiva. Porém, é certo que continua havendo lutas, violência, reivindicações de autonomia e igualdade, busca por direitos e construção de cidadania. O Brasil inicia a fundação de movimentos negros, feministas, ambientalistas, LGBTQIA+ etc., na década de setenta, mas de forma bastante tímida. O conceito de cidadania não é aplicado da forma esperada, sendo bastante tímido.

Falemos da escravidão que ainda dá forma à nossa sociedade que podemos resumir em minúsculos quartos de empregada, elevadores de serviço (que são, na realidade, para serviçais), discriminação social e racial aonde os mais pobres (negros principalmente) são sempre os culpados.

Entretanto, os homens e as mulheres livres pobres, que são a grande maioria da nossa população, também foram e continuam sendo dominados pelo Mandonismo (relações de favor, que na verdade representa a negação dos direitos).

A “Brasilidade” nasceu timidamente com o surgimento da República. Através dela, brasileiros não eram mais súditos, mas cidadãos – de uma forma tortuosa, claro.

Quando a Assembleia Constituinte foi instalada, Ulisses Guimarães disse: “A nação quer mudar, a nação deve mudar, a nação vai mudar.” E viemos mudando muito desde lá: elegemos um acadêmico (FHC), um líder operário como Lula e uma mulher ex-guerrilheira, Dilma Roussef.

Todas as nossas lutas são difíceis, mas nesses sessenta anos pós-ditadura, nossa luta continua, mas de forma bem diferente da Monarquia”.

Elimar Alves Pereira – professor e ator (Textos inspirados e retirados de Lilia Schwartz e Heloísa Starling, do livro “Brasil: uma Biografia).

Erro histórico e outras correções para que não sejam esquecidos

“Primeiro, corrigir o erro histórico. O golpe ocorreu em 1º de Abril, mas como este dia era, na época, muito celebrado como o “dia da mentira”, deram a data oficial como o dia do golpe o dia 31 de março, visto que as tropas do Exército saíram de Juiz de Fora, por volta das 23h, em direção ao Rio de Janeiro. Em segundo lugar, reforçar os argumentos que 1964 foi GOLPE, apoiado pelos grupos conservadores de diversos seguimentos da sociedade, inclusive religiosos – mais especificamente da Igreja Católica. Em terceiro lugar, o golpe de 1964 implantou um governo ditatorial que durou 21 anos, e quem tem dúvida que leia os depoimentos do livro “Brasil, nunca mais!”.

E o que falar desses 60 anos? Acho que estamos vivendo um momento em que saímos de uma ameaça de um novo golpe e, diante disso, acredito que erramos muito em “não ter passado a limpo” os crimes cometidos naquele período. Nesse sentido a “Anistia – ampla e irrestrita” aplicada no Brasil não nos trouxe benefícios. Pela anistia mantivemos viva a sanha golpista na sociedade brasileira. Temos que deixar claro na Lei Brasileira – Constituição – que o Exército Brasileiro não é guardião da Constituição. Não é um PODER, mas sim uma FORÇA, e enquanto tal, não pode ser USADA para garantir ou não o cumprimento da LEI. Eles também têm que seguir a LEI”.

Geraldo Fonte Boa – professor, historiador, poeta membro da Academia Itaunense de Letra – AILE