O TUMULTUADO MUNDO DAS LETRAS

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@toniramosgoncalves

A arte da crítica literária é um fenômeno que atravessa os séculos, marcando presença de forma constante no mundo das letras. Ao longo da história, escritores e intelectuais se envolveram em intensos debates, expressando suas opiniões sobre as obras de seus pares e, por vezes, levando essas discussões para além do âmbito das palavras. No contexto literário, as críticas assumem diferentes formas e intensidades, indo desde análises construtivas e ponderadas até conflitos acalorados e até mesmo casos de agressão física.

Essas disputas entre escritores costumam surgir devido à falta de concordância em relação ao conteúdo produzido por cada um, e, em algumas ocasiões, podem ultrapassar as meras divergências de opinião. No mundo literário, que é predominantemente composto por intelectuais, essas situações de desacordos são frequentes e fazem parte da dinâmica intrínseca desse universo. Conflitos de ideias, intrigas e perseguições não são incomuns nesse meio tão rico e complexo. Um exemplo marcante é o gênio Machado de Assis, que foi alvo de questionamentos e perseguições por parte de Silvio Romero, enquanto o próprio Machado não poupou críticas severas à obra “Primo Basílio”, de Eça de Queiroz.

Jorge Amado, apesar de ser um dos escritores mais populares do Brasil, foi praticamente ignorado pela crítica, mas suas obras foram as mais adaptadas para a TV e cinema, mostrando que o reconhecimento nem sempre está alinhado com a opinião dos críticos.

Porém, algumas relações ultrapassam o limite das críticas e chegam a casos de agressão física, como aconteceu com Sérgio Buarque de Hollanda e o jovem romancista Oswald Beresford, que entraram em confronto físico, conforme narrado por Rui Castro em seu livro “Metrópole à Beira-Mar” (2019). Outra relação conflituosa e marcante ocorreu entre Lima Barreto e João do Rio, os quais se tornaram arquirrivais. Isso resultou em Lima Barreto desistindo de ingressar na ABL (Academia Brasileira de Letras) após três tentativas frustradas. No início dos anos oitenta, Chico Buarque, ao ser ignorado por Millor Fernandes após perguntar o que ele tinha contra ele, acabou por cuspir no escritor, o que resultou em uma confusão generalizada no bar.

Graça Aranha, mesmo não tendo publicado nenhum livro, mas sempre atuante em revistas e meios literários, fez parte da ABL. Ao ter seus projetos modernos para a literatura rejeitados pelos confrades imortais, rompeu com a entidade, tornando-se um crítico ferrenho e chegando a afirmar que a fundação da ABL foi um grande erro.

Lúcio Cardoso (que merece uma crônica exclusiva), um dos primeiros escritores brasileiros assumidamente gay, ficou conhecido por suas críticas contundentes aos seus colegas de profissão. Durante décadas, sua língua afiada não poupava ninguém, incluindo figuras renomadas como Nelson Rodrigues, José Lins do Rêgo e até Guimarães Rosa. Sua capacidade de expressão era como uma metralhadora giratória, deixando poucos ilesos diante de suas críticas implacáveis.

As relações conflituosas também se estendem ao campo das acusações de plágio, onde escritores consagrados podem ser alvo de alegações infundadas. Embora seja comum fazer referências a outros autores nas obras, é essencial que a citação seja adequada. É um assunto a ser tratado com seriedade e cuidado. Mesmo assim, podem surgir acusações levianas, como no caso do livro “Fazenda Modelo” (1974), de Chico Buarque, que foi acusado de plagiar “A Revolução dos Bichos” (1945), de George Orwell. O mesmo ocorreu com “Dias Perfeitos” (2014), de Raphael Montes, com o livro “O Colecionador” (1963), de John Fowles. O saudoso Rubem Fonseca, em um de seus últimos livros, ironicamente, revelou através de um conto a fórmula para ser um best-seller: basta pegar um autor do século 19 e atualizá-lo para a contemporaneidade. É bom mencionar que foi o próprio Platão que iniciou essa prática ao reproduzir os pensamentos de Sócrates.

É importante reconhecer que a crítica literária é um componente vital e estimulante no mundo das letras, porém deve ser exercida com responsabilidade e respeito mútuo. A diversidade de perspectivas e opiniões enriquece o diálogo entre escritores, leitores e estudiosos, moldando o curso da literatura ao longo do tempo. As divergências de opinião fazem parte desse universo complexo e diverso, mas é necessário buscar um equilíbrio entre a expressão individual e a construção de um ambiente colaborativo. Embora possam surgir disputas e conflitos, é fundamental valorizar a liberdade de expressão, a troca de ideias e o respeito mútuo, a fim de manter viva a chama da crítica literária e sua contribuição para o enriquecimento cultural da sociedade.

* Toni Ramos Gonçalves

Ex-presidente e membro fundador da Academia Itaunense de Letras

Graduando em História e Jornalismo.