Sílvio Bernardes
smabernardes@hotmail.com
Álbuns de figurinhas
Até bem pouco tempo havia lá na casa do meu povo umas canecas de plástico coloridas que ganhamos com coleções de figurinhas completadas em antigo álbum. As canecas eram iguais as que as escolas públicas usam para servirem “leite com achocolatado” para os alunos. Mas, eu falava dos álbuns de figurinhas… Eles eram, na minha meninice, uma das mais empolgantes emoções. E uma das maiores encrencas da nossa existência. Isso, porque a gente não tinha dinheiro para nada e o pouco que conseguíamos – a custa de pequenos trabalhos – era muito pouco para tantos compromissos: ajudar em casa, comprar pacotes de figurinhas, ir ao cinema (nas matinês de domingo), entrar no circo ou gastar no parque de diversões. Ah, e havia os doces e os picolés, e as pipocas, e os “pão moiado”, e as vitaminas… Mas, colecionar figurinhas, especialmente as que davam prêmios, como as do futebol, era tudo de bom. Danado de bom. Os álbuns de figurinhas prometiam um colosso de brindes: carros, motocicletas, geladeiras, televisores, bicicletas, ferro elétrico, máquinas fotográficas, carrinhos, panela de pressão, bonecas (que andam e falam), liquidificadores, canecas de plástico. Não conheci ninguém que tenha ganhado um televisor, uma motocicleta e, muito menos, um automóvel com essas coleções. Lembro-me de uma loja aqui no centro, pertinho do Colégio Santana, que trocava os brindes de figurinhas. Vi sair dali muito jogo de canecas – como os da minha casa –, panela de pressão, máquina fotográfica e carrinho de plástico. Nunca vi os carros de verdade e nem as motocicletas. Um menino lá da “Varlaria”, dizem, ganhou uma bicicleta no álbum de figurinhas. Como diz o outro: “esfalaro isso. Diz ês!”, eu não vi, não sei e não posso provar.
Independente dos prêmios, comprar figurinhas – na banca do Agostinho, na praça da matriz –, colar as figurinhas nos álbuns, trocar figurinhas com a molecada, jogar tapão (e ganhar todas), era muito divertido. E constituía num agradável aprendizado sobre as coisas do Brasil e do mundo. Álbum de figurinha é cultura, como diz o outro. Os álbuns traziam imagens e notas da história, do esporte, das artes e da cultura, da televisão e os cambau. Eu era muito bom nos jogos de tapão, apesar de ter a mão pequena. E tinha também uma sorte danada. Em cada pacotinho que eu abria sempre havia uma figurinha difícil, uma carimbada, uma daquelas chamadas figurinha-chave. Houve um tempo em que eu era chamado pela molecada de “figurinha difícil”, não sei por que cargas d´água.
A meninada do meu tempo – e da minha corriola – não tinha dinheiro para comprar cola para pregar as figurinhas nos álbuns. Por causa disso, a gente ficou craque em fazer grude, aquela mistura de farinha de trigo e água, levada ao fogo brando e usada como cola. Na minha casa, era no fogão de lenha que a gente preparava o nosso grude. Vou te contar, havia até umas receitas elaboradas para melhor aderência, durabilidade e – até – o cheiro daquela cola caseira. É claro que a minha memória não dá conta de detalhes, mas numa dessas receitas usavam-se limão e sal. Agora, perguntem-me se nenhum daqueles moleques comeu aquela mistura apetitosa? Eu acho que eu experimentei uma vez. Ah, mas já faz muito tempo.