QUE HISTÓRIA É ESSA?

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Sílvio Bernardes

Ser moderno

De primeiro, ser moderno era ter uma calça Lee ou US Top azul marinho e tênis bamba. Um keds novinho em folha, como a gente falava. Ser moderno era ter TV em casa, preto e branco, Telefunken. Em riba do telhado, a antena pé de galinha indicava a modernidade dos que tinham televisão em casa. Eu, por essa época, era assim uma espécie de “televizinho”. Mas, de primeiro, ser moderno era ter casa de laje e porta de vidro embaçado. É claro que tinha um povo muito moderno, que além da televisão, tinha geladeira e até mesmo telefone. “Nossa, fulano de tal é chique demais, tem telefone em casa. Eu vi com esses ói meus, em cima duma mesinha na sala. Telefone de verdade, preto, bacana”. Certamente esse povo foi o primeiro a ter televisão colorida, aquela modernidade da marca Colorado.

Nelson Gonçalves cantou, certa vez, uma seresta moderna – “moderninha como o que” –, para não ser taxado de “boêmio demodê”. A sua seresta, sem lua ou lampião de gás, seria mais moderna que o foguete Apolo 11, que era o suprassumo da modernidade. Creio que o Apolo 11 era até mais moderna que os elevadores Otis. Jovens modernos tinham vitrola (toca discos) portátil, com a qual faziam serenatas em noites de lua cheia, sem lobisomem e sem assaltos.

Uns tempos depois, ser moderno era ter bicicleta de marcha e – somente  para os mais invocados – motocicleta de cinquenta cilindradas, a moderníssima Cinquentinha. A carteira cheia de dinheiro e a cara cheia de espinhas eram coisas dos rapazes modernos. Os moços modernos usam Gumex no cabelo, faziam a barba com Gillete, gostavam de mascar chicletes Ping-pong, jogar sinuca ou totó. Moços modernos frequentavam o footing na praça da matriz com a mesma disposição que iam à zona boêmia ou ao Cine Rex. Ser moderno era saber de cor as canções do Roberto Carlos, do Jerry Adriane, do Ronnie Von e até arriscar alguns trechos dos Beatles e dos Platters. As moças e os rapazes modernos tinham caderneta de poupança Delfim, que davam cofrinhos e chaveiros. Ser moderno era fazer curso de datilografia e ter em casa uma máquina de escrever. Ser moderno era ter aulas de piano, de francês e de corte e costura. Moça moderna fumava, às escondidas e frequentava, também no anonimato, as repúblicas dos rapazes igualmente modernos. Esses fumavam Continental ou Hollywood, e bebiam discretamente Cinzano ou conhaque Dreher.

Menino moderno, na escola, tinha pasta de couro, estojo grandão de madeira e – pelamor de Deus – caixa de lápis de cor de 36 cores. Nas festas juninas – nas antigas quadrilhas –, esses meninos modernos eram os mais chiques: chapéu de feltro, botas de couro, bigode de lápis crayon e roupas feitas especialmente para a ocasião. Ser moderno era ter brinquedos modernos, tipo assim, robô que anda e pisca a luzinha. Ser moderno era ter boneca que anda e fala mamã; pião que roda sozinho e acende uma luz incrível. Ser moderno era brincar com o Atari, com o Genius, com o Cubo Mágico, com o Playmobil, com o Pula Pirata, com o Banco Imobiliário, com o Autorama

Ser moderno era falar gíria naturalmente e contar piadas com categoria. Era exibir para a turma a última revista de mulher pelada que mostrava quase tudo daquela atriz da televisão. Ser moderno era…