Que história é essa?

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Sílvio Bernardes

Moças de família

Em 1964 a cantora e atriz italiana Gigliola Cinqueti cantou “Non ho l’eta, per amarti”, que dizia que a mocinha não tinha idade para amar aquele homem (mais maduro?). Que a menina não poderia sair sozinha com o rapaz e não teria nada a dizer-lhe, porque ele sabia muito mais coisas que ela. Ah, as mocinhas sonhadoras. As mocinhas casadoiras. Ah, os tempos inocentes e românticos de outras meninices. De primeiro, no meu tempo de menino, não se usava chamar de mulher uma moça solteira. Adolescente, então, nem pensar em dizer-lhe mulher. Eram moças, meninas, flor em botão – ah, lembrei-me: broto. “oh, oh que broto legal! Garota sensacional”. O conceito mulher era, digamos, destinado àquela mais experiente, em idade e outras cositas más. Não se falava minha mulher, mas sim, minha senhora ou minha dona. Nós éramos jovens e andávamos atrás das garotas, dos brotinhos. Já não cortejávamos, como no passado do nosso passado, mas paquerávamos ou, vá lá, flertávamos. E, se elas dessem bola, a gente ficava gamado. Gamadão. Caído por aquela flor.

– Eu vi pr’ocê!

– Viu? Onde? Conta, coisinha, conta!

Pegar na mão da moça só depois de alguns encontros. Beijo? Ah o beijo! Havia os beijos de namorados – “dois namoradinhos vão casar amanhã cedinho”… – e havia os beijinhos roubados, tipo um selinho de hoje e que, dependendo da moça, significava o fim da paquera. Depois de um namoro mais sério vinham os beijos mais calientes, de boca aberta. Nos bailes, moça séria não fazia par constante com um mesmo rapaz, a menos que estivesse interessada nele e os pais não podiam notar aquela constância na festa. Dançar de rosto colado era só para namorados. O pai ou a mãe, ou os dois, ficavam de olho nos casais.

Em certas situações havia alguma permissividade dos pais para com a moça e o rapaz enamorados. Nesses casos, o irmão da moça acompanhava o casal nos passeios na praça ou até mesmo nas matinês do cinematógrafo (aí peguei pesado). O irmão da moça, meio que doublé de cunhado, podia facilitar o romance, distanciando um pouco do casal – aí não ficava muito com o papel de vela. Bons cunhadinhos ganhavam balas e bolas de gude do rapaz gamado na irmã, para facilitar o romance. Eram esses irmãos que levavam os primeiros bilhetes perfumados e com bombons para o brotinho dos sonhos. Alguns, já na condição de cunhados – antecipando uma posição antipática que perduraria por tempos – , contrariados em determinada situação, rompia com a camaradagem ali mesmo: “ eu vi e vou contar tudo para a mamãe”, mas não devolvia as balas, nem as bolas de gude.

Na poltrona da sala de estar da casa da moça os namorados tinham sempre a companhia do pai, da mãe – ou dos dois –, de uma tia velha ou da avó. E  entre um cochilo da vigilância, o casal aprofundava nas carícias. Porém, se a “vela” tomasse consciência do exagero, ouvia-se um raspar de goela que era como um aviso para não avançar o sinal. Quase sempre nessa situação, o pai, do alto de sua autoridade, propunha, peremptório, o inexorável toque de recolher: “minha filha, diga boa noite ao rapaz”.