QUE HISTÓRIA É ESSA?

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Memórias de uma professora que escreve e conta histórias

Sílvio Bernardes

Fui instado a escrever sobre uma professora aposentada lá de Santanense. Foi o amigo Fernando Franco quem nos provocou dizendo que a senhora era um manancial de boas memórias, que merecia uma reportagem do S’PASSO –   por causa de suas leituras constantes, dos seus escritos diários e das coisas que viu e que viveu por mais de oito décadas de bem viver. Além de tudo isso, ela teria sido sua professora de História, há muito tempo, no ‘Grupo Escolar Souza Moreira’ e no ‘Ginásio Dona Judith Gonçalves’, lá mesmo em Santanense. Topei na hora, já que aprecio por demais uma boa prosa; e, sobre história e literatura, então, nem se fala. Bão demais da conta. Fui lá. E fui de ônibus, para me lembrar de alguns caminhos que percorri quando criança, no século passado, instalado nas cadeiras – na janela, de preferência – dos ônibus do João Ruela rumo à casa de minha avó Zenóbia, no bairro dos Garcias.  Apeei do busão na Praça Juvenal Pereira, ao lado da igreja do Sagrado Coração de Jesus, e fiquei um tempinho apreciando aquele logradouro. Chamou-me a atenção uma “gelateca solidária” – projeto de minha amiga Mônica Santos – e um busto (sem placa) do coronel Manoel José de Souza Moreira, o criador da Fábrica de Santanense. Continuei caminhando para o meu destino.

A professora aposentada é a dona Helenita Alves, de 87 anos. Ela mora numa ampla casa na rua José Leal, um pouco acima da praça da igreja. Ela nos recebeu à porta, juntamente com sua sobrinha Janua Coeli. Enquanto conversamos saboreamos suco de abacaxi e bombons, docemente oferecidos pela anfitriã. Mas a maior delícia foram as suas histórias, sua prosa recheada de lembranças de pessoas, coisas e lugares.

A professora aposentada acorda cedo, tem uma rotina diária que inclui os afazeres da casa, leves, já que dispõe de auxiliares no dia a dia. Lê pelo menos três livros simultaneamente, escreve à mão – trechos marcantes dos livros que lê, pensamentos tirados de calendários, agendas, jornais e revistas –, faz bordados maravilhosos e assiste à televisão, os jogos de vôlei e de basquete, principalmente. Já são mais de 3.000 livros lidos e a maioria contem fichamento escrito à mão em cadernos bordados com figurinhas de pessoas famosas e anônimas, recortados de revistas. Suas leituras são diversificadas, podem ser doces poesias parnasianas, modernas ou até mesmo concretistas; contos, romances, nacionais e estrangeiros, biografias, peças teatrais e textos bíblicos. Vimos em seus registros “Cinquenta Tons de Cinza” e “Cinquenta Tons mais escuros”, de E. L. James; “Angústia”, de Graciliano Ramos e muitos, muitos mesmos de Carlos Drummond de Andrade, de Mário Quintana, de Vinícius de Moraes, de Nikolas Sparks, de Luís Fernando Veríssimo, de Dan Brown, de Jorge Amado, de Érico Veríssimo,  de Guimarães Rosa, de Cecília Meireles, de Helena Morley, de José Lins do Rego, de Fernando Sabino, de João Dornas Filho, de Visconde de Taunay etc., etc., etc. Dona Helenita tem anotados 8.400 pensamentos, tirados dos livros e das coisas que vê por aí.

Suas lembranças passeiam pelas memórias das pessoas que lhe foram próximas: familiares, alunos, amigos, colegas professores e de lugares que visitou. Foi professora na Escola Souza Moreira, a primeira experiência depois de uma passagem como operária da Fábrica; no Judith Gonçalves, no José Gonçalves de Melo e no Colégio Santana, que ela chama, até hoje, de Ginásio Santana. Com frequência é abordada, em casa ou na rua, por ex-alunos, que querem lhe falar do carinho que guardam nas recordações de suas aulas de História, como o contador e político Fernando Franco. Foram mais de 30 anos lecionando. Ela se enche de orgulho para dizer que seus ex-pupilos estão espalhados por todas as cidades desse país e até do estrangeiro, como médicos, professores, operários, dentistas, engenheiros, empresários, donas de casa, advogados, políticos…

Isso tudo é a sua razão de viver.

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