Barba, cabelo e bigode
Sílvio Bernardes
smabernardes@hotmail.com
Esturdia, como diz o outro, estava conversando com uma jovem amiga sobre os nomes de cortes de cabelo. Ela traz os seus, pretos, bem curtos e por mim ela soube que aquele corte fez muito sucesso nos anos de 1960 com o nome de à La Garçom. Falei com ela dos cortes que usávamos quando menino de calças curtas. De primeiro as crianças não tinham muito – ou nenhum – poder de decisão. Eram os pais quem conduziam seus destinos em quase todas as situações. Os barbeiros, por exemplo, eram escolhidos pelos pais e, no meu caso, minha mãe, que, aliás, decidia até o corte de cabelo. Usávamos, à época de meninice, o estilo “príncipe Danilo”, para o cabelo bem baixinho, quase careca, como eu já contei aqui. O nosso barbeiro era o João, da extinta “Barbearia JK”, ali próximo da Gruta. Tinha também o Joaquim barbeiro, que vez ou outra, revezava as tesouradas nas cabeças daquela molecada: os fio da dona Luzia.
Mais tarde, já rapazinho, perambulei por outras barbearias, não para experimentar cortes diferentes, mas a fim de conseguir serviços mais baratos. Cortei uma ou duas vezes meus belos cabelos negros (eram assim, juro) com um sujeito que falava esquisito e tinha um apelido mais esquisito ainda: Kilospeche. Sua barbearia funcionava no bairro do Serrado e era cheia de gaiolas de passarinhos, além dos petrechos de barbeiro, é claro. As barbearias eram, para nós moleques, um lugar em que a gente passava todos os dias, para uma conversa com o barbeiro e os seus fregueses ou à procura de algum sapato para engraxar. Nós éramos engraxates. Por essas e por outras que compareciam à nossa lista as barbearias da época: do Zezé do Emídio, na praça do Capeta, do Dionas e do Mauro, na praça da matriz, do Joaquim Gonçalves, na rua XV de novembro, do Ivan, próximo do grupo de cima, do Lua na rua Silva Jardim… “Arco ou tarco”, perguntou certa vez o barbeiro displicente. Ao que o cliente impertinente, respondeu: “não, Aqua Velva”. Os clientes saíam da barbearia novos, cheirosos e sorridentes.
Mas, minha maior frequência com um profissional do corte de cabelo – ate que eu encontrasse o Ademir Gomes de um passado recente e o Samir Amin, dos dias de hoje – foi com um senhor chamado Pimentel. O Pimentel cortou meus cabelos e de muitos dos meus amigos por um bom tempo. Também trabalhava no Serrado, próximo de uma praça cujo movimento era intenso. O Pimentel era um barbeiro habilidoso e bom de prosa. Era um senhor magro, moreno, ligeiro como um passarinho, e eu já o conheci levemente grisalho. Com ele eu passava um tempão em conversa fiada. Ficava ali sapeando no seu salão, ouvindo sua conversa mansa e vendo as tesouradas que faziam barba, cabelo e bigode.
Não sei se comecei a cortar o cabelo com o Pimentel por ele ser pai do meu colega de grupo escolar (e depois do Tiro de Guerra), o Agnaldo, ou se descobri que ele era pai do Agnaldo depois que frequentava a sua barbearia. Mas, isto pouco importa nestas lembranças.