Que história é essa? Compozissõis Infãtis

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Sílvio Bernardes

Vivendo num tempo muito distante do celular, as crianças da minha infância inventavam milhões de brincadeiras que eram vivenciadas a sós ou em bando. Muito mais em bando, que era o que a gente mais gostava. Em cada lugar se via ‘aquela tropa’ (como dizia a mãe) se divertindo – às vezes não, principalmente quando havia briga e os mais fracos levavam a pior; esses não divertiam nada – na rua, no campo de futebol, no pátio da escola, na sala de aula, nos passeios de fim de semana etc.

Com a caneta, fazíamos relógio no braço e arriscávamos uns desenhos noutras partes do corpo antecipando as tatuagens estilizadas dos tempos modernos. Creio que essas imagens rabiscadas no corpo eram como um esboço para os artistas do tatoo de agora. Também com a caneta experimentávamos transformações nas figuras das revistas e das propagandas políticas com bigodes, óculos, cabelos, chifres, dentes de vampiro… um passatempo que nos divertia bastante. Em criança eram comuns brincadeiras meio arriscadas, tipo roubar fruta no quintal do zoto – os “quintais maduros” de que falou a poeta Maria Lúcia Mendes, no poema “Canção para Itaúna”. Volta e meia algum moleque menos esperto, tipo esse que lhes fala, levava um tiro de sal na bunda ou passava grandes aperreios fugindo dos cachorros nos quintais. Quem não viveu essa experiência não sabe o que é adrenalina, jamais teve a infeliz oportunidade de botar a alma pela boca. Trepar nas grimpas das árvores, chupar fruta no pé, fazer guerra de muchaca de laranja ou de mamonas verdes eram doces divertimentos da meninada de outros tempos. A rua era o nosso espaço. Os meninos tinham mania também de fazer cigarrinho com talo de chuchu. Em cada baforada uma crise de tosse, isso quando se ainda era um experimentador. Depois, de tanto dar as bitoquinhas naquele cigarrinho inocente a gente virava profissional e a fumaça corria solta. Nadar pelado no rio era outra coisa bacana, não pra mim, que nunca aprendi as artes de Johnny Weissmuller e que morria de medo de água acima do joelho.  Mas a meninada da minha corriola fazia os diabos nas corredeiras do rio São João  e nos corgos que havia pela  cidade.

– Caí no poço!

– Quem te tira?

– Meu bem.

– Qual é o seu bem?

Esta era a brincadeira preferida da minha infância: “Pera, uva ou maçã”. E, dependendo da situação –  e da armação dos comparsas – ganhava-se um beijo da pessoa do nosso desejo. Um beijinho na boca, sem muita demora e nenhuma salivação. Um selinho. O mais gostoso. O mais sonhado. Aquele beijo inesquecível que a turma cuidava de ampliar em uníssono: “tá namorando! Tá namorando!”

Na minha rua os meninos ficavam até tarde da noite contando casos. Conversando fiado. E nas conversas da noite havia muito exagero, muita potoca, um colosso de piadas maldosas e histórias de assombração de fazer arrepiar os cabelinhos (penugem, vá lá!) dos braços. Depois para ir para casa era um deus-nos-acuda.

Apertar a campainha das casas do zoto e sair correndo era a maior festa. Essa travessura era a mais recorrente e o povo das casas não se acostumava, como também não deixava de cair nos trotes telefônicos todo santo dia. E no escurinho da rua, a meninada se divertia com a brincadeira da cobra, que era organizada com um objeto parecido com o bicho peçonhento (como uma espada-de-são-jorge) amarrado numa corda e puxado por um ‘menino do zinferno’ escondido do outro lado da rua exatamente quando passava algum desavisado.

Êta meninada custosa!