Que história é essa? De pai pra filho

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Sílvio Bernardes

Segundo o modelo capitalista uma de suas vantagens é a transferência do acumulado de bens e fortunas, das relações de poder e, até, da fama, para os seus descendentes diretos. Se é fii de fulano de tal, logo, tá com o burro na sombra. De pai para filho. De primeiro, como diz o outro, era costume na minha cidade, ao ser apresentado a alguém, ouvir de forma fulminante a indefectível pergunta: “Cê é fii de quem?”, ou: “cê é povo de quem?”. Eu, que não era povo de ninguém importante – da tradicional família da qual eles faziam parte – dava respostas evasivas, desconversava ou inventava parentescos pouco conhecidos na cidade, gente vinda de outras paragens.

Têm pessoas que herdam do pai o nome completo, com um “júnior” ou um “filho” no final. Tem outras que trazem as características da profissão do progenitor. Filho de peixe, peixinho é. Conheço muito pedreiro que herdou do pai a profissão e as habilidades no ramo da construção de prédios. Alguns desses vão mais longe e experimentam uma engenharia civil para dar mais valor ao ofício paterno. Tem médico que é filho de médico, professor igual ao pai ou à mãe, padeiro, comerciante, advogado, mecânico, caminhoneiro, eletricista, enfermeira, policial, empresário… tudo por influência do pai, desde pequeninho. E tem político que herda ou quer herdar os traquejos, a malandragem e, até, os votos do pai. “Sou herdeiro político do papai”, dizem de boca cheia, embora as urnas nem sempre corroboram dessa narrativa.

E no campo da política, ou nesse universo em que há mais mistérios do que possa imaginar a nossa vã filosofia, o legado paterno descamba para os cargos bacanas, os empregos dos sonhos, as ocupações invejáveis. É claro, à custa de apadrinhamento de responsa. Hoje já não existem mais, como antigamente, os famosos trens da alegria, que faziam do meio político uma festa em benefício de apaniguados, seus filhos e demais parentes que se penduravam nos trens apinhados. Filho de senador, se não for o primeiro suplente, pode ser o chefe de gabinete, o assessor parlamentar, o secretário, o ajudante de ordens… o Aspone. Essa palavra, aspone, eu ouvi pela primeira vez da boca do Dr. Peri Tupinambás, meu colega no “Jornal Brexó”, que criticava os assessores de p* nenhuma dos políticos com mandato naquela época. Nos gabinetes em Brasília, nas assembleias legislativas, nos governos do estado, nas prefeituras e câmaras de vereadores os aspones podem ser facilmente encontrados… ou não. Dizem que muitos deles não se adaptam à luz do dia, mas seus paletós (ou blazers) estão nas cadeiras para provar que eles existem. 

Um amigo, Tito Bernardelli, me conta que em sua cidade não faz muito tempo os empregos com excelentes ordenados –  e pouquíssimas atribuições – eram destinados aos filhos dos chefes, dos coronéis políticos, dos encarregados, dos gerentes, dos mandachuva. Em pouco tempo eles viravam chefes também, quer seja na companhia de tecidos, na prefeitura, na universidade, nas estatais, nas autarquias, nas mais diversas repartições públicas. Sempre cabe mais um quando é fii de alguém importante, com pedigree.

– Quem é o jovem que anda por aí com um envelope debaixo do braço desde ontem?

– Ah, é o Juninho, fii do Dr. Albergaria, da contabilidade. Menino bão, sô, puxou aos pais.

Diz a lenda mineira que o caixeiro-viajante, também chamado de cometa, João César de Oliveira (1872-1905), quando nasceu seu segundo filho, um menino, gritou aos quatro ventos no meio do sertão das Minas Gerais: “nasceu o futuro presidente do Brasil!”. Verdade ou não o menino Juscelino Kubitschek (1902-1976) viria a ser o 21º presidente da República. João César não era político e nem um sujeito importante, mas o filho famoso herdou dele o apreço pelas festas, as danças, a boemia e o gosto por um rabo-de-saia.