Sílvio Bernardes
smabernardes@hotmail.com
Sim, confesso, eu fui um menino de rua. Um entregador de jornais, ou como preferem alguns, jornaleiro. Por algum tempo fui entregador de jornal, não aqueles meninos do “Seu” Cantídio, que entregavam o jornal “Estado de Minas” de porta em porta. Fui entregador dos jornais Folha do Oeste e Brexó, em fins dos anos de 1970 e, anos depois, de uma folha indecente chamada “Trolha Popular”. Por conta desta minha função pelas ruas da cidade, conheço cada palmo desse chão, como ensina o poeta Renato Teixeira. Não tem uma rua da minha velha cidade que eu não conheça pelo nome e o sobrenome. Minhas mais doces (e algumas nem tanto) lembranças são das do entregador do Jornal Brexó. Chegávamos cedo – aos sábados – à redação do JB. De primeiro, era ali na Rua Péricles Gomide, bem ao lado da igrejinha de Nossa Senhora da Conceição. Depois, a redação foi lá para a Avenida Dorinato Lima, num prédio do Fico (Benfica Alves de Oliveira) da Dona Eva.
– Qual é o seu giro?
– Ahn?
– Seu giro, sua rota, o itinerário da sua entrega?
Foi como entregador de jornal ou jornaleiro que eu conheci algumas das mais destacadas figuras da nossa vida social, econômica e política. É que elas também frequentavam a redação aos sábados pela manhã. Iam ali por modo de colher informações sobre a cidade – alguma coisa além do que estaria nas páginas desse hebdomadário –, para encontrar parceiros e para um dedo de prosa com os confrades. Os jornaleiros do Brexó sempre se esbarravam com algumas dessas representações importantes da nossa comuna brilhante. E, talvez por isso mesmo, sentiam-se em destaque também. Eu, por exemplo, era metido à beça. Quando alguém me perguntava: “você é…” Jornaleiro, eu respondia estufando o peito e me equilibrando nas pernas finas feito uma batuíra.
De jornaleiro tornei-me jornalista, vê se pode uma coisa desta, sô! O diretor do jornal, Célio Silva, cismou comigo. Primeiro me convidou para ser funcionário da casa, com carteira assinada e tudo. Meu primeiro registo ali foi de impressor. Ficava o dia inteiro catando tipos de chumbo e montando páginas para, depois, imprimi-las numa enorme e jurássica impressora (inglesa?). E, no dia a dia eu também buscava material dos colaboradores, fazia cobranças, dobrava e manipulava os jornais que saiam semanalmente. Depois, não sei por que cargas d’água, o chefe me mandou para a rua… não, não fui demitido. Fui para as ruas como repórter, para ouvir o povo sobre isso e aquilo. Chegava na redação e escrevia tudo aquilo que as pessoas falaram, inclusive com os erros gramaticais. Em pouco tempo eu já me achava. Cismei que era jornalista e até hoje me vejo nesta ilusão. O mais bacana é que houve um tempo em que era eu o responsável pela distribuição do jornal, ou seja, cuidava de despachar os entregadores nas manhãs de sábado.
– Menino, qual é o seu giro?
Meus irmãos, sobrinhos e alguns amigos mais chegados foram também jornaleiros. Até minha mãe Dona Luzia andou distribuindo o Jornal Brexó quando um dos seus filhos estava meio perrengue.
Hoje quase não se vê mais os jornaleiros nas ruas das cidades. Aliás, esse trem de jornal impresso tá ficando fora de moda. “Quem lê tanta notícia?”, né Caetano?