“Sim, um cadinho de poesia me faz tão bem de verdade e já comprovei que também faz bem a outras pessoas”

Jornal S’PASSO entrevista a poeta e atriz Beth Souza, criadora da Caminhada contra a Violência Doméstica, que completou dez anos

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Na próxima semana o Brasil inteiro estará falando novamente das questões da luta do povo negro e da Consciência Negra e colocando em pauta a memória de Zumbi dos Palmares e as lembranças de tantos outros negros, vítimas de violência como reflexão de que a luta ainda continua.

Nesta edição o Jornal S’PASSO conversa com uma mulher negra, poeta, alto-astral, mas que também não perde as oportunidades de lutar para que as coisas não continuem no mesmo diapasão de uma página infeliz de nossa história, que teima em se repetir com uma frequência desconcertante.

Beth Souza usa sua poesia como grito de insatisfação, mas também como alternativa, a opção pela arte, para mudar o ambiente à sua volta.

Beth Souza nasceu Elisabete Batista de Souza e é chamada por amigos de infância de familiares de Elisa. Ela nasceu em Itaúna no dia 8 de junho de 1973. Morou por vários anos na antiga Vila Marinho, que depois virou Bairro Pio XII, mas que hoje tem nome mais pomposo: Boulevard Lago Sul, na Rua São Lourenço. É a quinta de uma família de sete irmãos e foi criada pela mãe, Maria da Conceição Quirino Batista, que se desdobrava para sustentar a casa sozinha, sem a presença do marido, que abandonou a família.

Beth Souza é divorciada, mãe de três filhos e já é avó de cinco netos e hoje mora no Bairro Residencial São Geraldo. Apesar de não ter uma formação acadêmica, Beth Souza é poeta, atriz e declamadora de poesia; é membro do Grupo de Escritores Itaunenses, formado em 2014. Participou de três coletâneas organizadas por este grupo, sob a coordenação do escritor Toni Ramos Gonçalves: Essências, Olhares Múltiplos e Hipérboles.  Criou e coordenou o grupo Poesia e Cia., atuou na peça teatral “O Julgamento da Cigarra”, no Cine Gravatá, em Divinópolis, sob a direção de Cida Viana, em 2015. Foi coordenadora do grupo Doutores Palhaços de Itaúna durante cinco anos. Ganhou da Academia Americana de Letras e Artes do Rio de Janeiro o diploma menção honrosa em poesia, em 2006. É atuante no grupo poético e musical Sarau Maria Ester Matos e participou da primeira noite da poesia em Itaúna. Trabalhou por 10 anos no supermercado Rena, onde criou o cantinho da cultura Henna.

A luta política fez de Beth Souza a idealizadora da primeira Caminhada pelo fim da Violência Doméstica, que hoje está em sua décima edição.

Jornal S’PASSO – No dia a dia, diante de tantas adversidades, das situações pesadas do cotidiano, lá vem a Beth com “Um cadim de poesia me faz tão bem”. Se faz bem para você, faz bem para os outros? Você consegue avaliar isso? Quando foi que você começou com essa proposta? Aliás, quando nasceu a poesia em você?

Beth Souza – Sim, um cadinho de poesia me faz tão bem de verdade e já comprovei que também faz bem a outras pessoas por que, geralmente, posto reflexões sobre a vida e as pessoas me dão um retorno bacana, me incentivam a não desistir deste meu dom de levar amor através das palavras. Então, a poesia nasceu em mim na infância, sempre tive um interesse muito grande por literatura e teatro, mas devido às minhas condições sociais fui privada de estudar aos nove anos de idade para poder trabalhar e ajudar no sustento familiar.

Jornal S’PASSO – E o seu lado atriz e declamadora de poesias? De onde veio?

Beth Souza – Surgiu na minha infância. Lembro que quando eu estudei no primário, na escola João Dornas, nunca as professoras me chamavam para as apresentações da escola. Foram raras as vezes em que participei, mas num belo dia me inscrevi nas comemorações do Dia do Índio, eu e uma amiga bolamos uma apresentação musical que marcou muito o início de minha paixão pela arte. Minha história como declamadora surgiu em 2002, na Primeira Noite da Poesia, organizada pela escritora Maria Lúcia Mendes, no Museu Municipal Francisco Manoel Franco. Eu fui assistir e acabei participando. Hoje, faço parte do Grupo de Sarau Maria Esther Matos.

Jornal S’PASSO – Há quanto tempo você escreve? Do que fala a sua poesia? Além de poemas, você escreve em prosa? Já tem material para publicar livros-solo? Tem projeto para isso?

Beth Souza – Tudo começou em 1999, aos 26 anos e semianalfabeta, tinha apenas a quarta série, resolvi voltar à sala de aula num projeto do Telecurso do Senai, que foi implantado na escola Artur Contagem Vilaça, no Bairro Cidade Nova. Comecei a ler muito e automaticamente começaram a fluir alguns versos. Minha poesia nasce de uma pequena percepção; no início ela falava muito de liberdade, de amor e melhores condições sociais. Sim, escrevo poesia e tenho escrito história infantil. Acho que tenho material para uns três livros que estão ainda engavetados e creio que em 2024 possa sair alguma novidade para vocês.

Jornal S’PASSO – Você lê muito? Quem são suas autoras/ seus autores em especial?

Beth Souza – Já li muito, muito mesmo. Hoje, devido à correria, estou lendo pouco. Meus autores favoritos são Florbela Espanca e Adélia Prado. Gosto muito do autor de O Pequeno Príncipe, Antonny de Saint Exuperry, também gosto muito do autor de Os Miseráveis, Victor Hugo; e estou lendo Mia Couto. Sou apaixonada pela obra de Castro Alves e Machado de Assis.

Jornal S’PASSO – Em Itaúna as pessoas valorizam a arte? Você consegue chegar nas pessoas como queria?

Beth Souza – Ainda estamos caminhando a passos lentos em relação à arte e cultura aqui em Itaúna. Sempre fui muito bem recebida em todo lugar que eu apresento e sempre as pessoas me dão um retorno bacana.

Jornal S’PASSO – E a sua vida nos movimentos sociais? Como foi que começou a defesa das mulheres? Além desta proposta, você participa de outros eventos? Em cada um desses você faz questão de imprimir sua condição de mulher e negra, além de mostrar sua poesia? Conte um pouco disso.

Beth Souza – Comecei nos projetos sociais em 2006, juntamente com o Supermercado Rena, onde eu era colaboradora. Fui convidada a coordenar a “Turma da Alegria”, que visitava os asilos da cidade e fazia ações sociais junto à comunidade.  Depois coordenei o grupo “Doutores Palhaços de Itaúna”, por cinco anos; e também idealizei a Caminhada pelo fim da Violência Doméstica, em 2013. Devido ao fato de ter sido vítima de violência doméstica, queria fazer algo para conscientizar a população, porque muitas vezes, as pessoas se calam diante da violência. Acredito sempre que o silêncio pode ser fatal nos casos de violência doméstica. Esse ano comemoramos dez anos deste nosso movimento.

Jornal S’PASSO – Participante de vários momentos da vida cultural e política da cidade, você pretende colocar seu nome também na disputa eleitoral em 2024? É filiada a algum partido?

Beth Souza – Não tenho interesse em colocar meu nome na disputa eleitoral e não estou filiada em nenhum partido.

Agora, um cadim de poesia

Desejo

Beth Souza

Você chegou

E num toque de mágica me cativou.

Vi felicidade chegando. E cada dia ao meu lado

foi se tornando um ritual

Eu me envolvi, me dei, me perdi

de tanto amor que senti.

Fiquei eternamente responsável por ti

Que me cativou

e me amou

mas nem tudo é perfeito e você esqueceu de regar

a flor que brotou em meu peito.

Não podemos deixar, que os baobás

se confundam com as rosas

Não te cobro atenção

Só desejo que segure a minha mão

Que olhe nos meus olhos

E decifre meu pensar

Que o nosso amor seja diferente

porque, se um dia tiver que partir

não vou ter mágoas…

Sei que mesmo sofrendo, sairei vencendo.

Porque somos fragmentos de um amor

e estamos sujeitos à dor.

E quando tua saudade

invadir meu ser

quero mirar no céu, a primeira estrela.

E como uma criança vou fazer um pedido:

Primeira estrela que vejo

Dai-me tudo que desejo.

Dai-me o amor que não vejo

Dai-me o que eu não consigo encontrar

Dai-me um desejo louco de amar!