UMA TRAGÉDIA CHAMADA BRASIL

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@toniramosgoncalves*

O Brasil, essa terra vasta e diversa, é uma fonte inesgotável de inspiração para a literatura brasileira. Ao longo da história literária, diversos escritores e escritoras têm explorado suas questões sociais, culturais e políticas, retratando uma nação repleta de contrastes e complexidades. As obras de autores renomados como Rubem Fonseca, Raquel de Queiroz, Nelson Rodrigues, Graciliano Ramos, Maria Carolina de Jesus, Jorge Amado, Fernando Sabino e Jeferson Tenório contribuíram para a construção de um retrato literário da tragédia que, por vezes, envolve o Brasil.

Rubem Fonseca (1925-2020), em suas histórias urbanas, desvela a violência e a corrupção que permeiam as entranhas das grandes cidades brasileiras. Seus personagens vivem em um mundo obscuro, onde a moralidade se perdeu, e a justiça parece inatingível. A literatura de Rubens Fonseca nos lembra que a tragédia não está apenas nos dramas pessoais, mas também nas estruturas corruptas que minam a esperança de uma sociedade mais justa. Seus contos muitas vezes retratam personagens à margem da lei, envolvidos em crimes brutais que escancaram a fragilidade do tecido social. “Agosto” (1990) é um romance histórico que se destaca entre suas obras.

Raquel de Queiroz (1910-2003), a primeira mulher a ser eleita para a Academia Brasileira de Letras, trouxe sua perspicácia e sensibilidade para suas obras, explorando as complexidades da sociedade brasileira. Seu romance “O Quinze” transporta os leitores para o sertão nordestino durante a seca de 1915, revelando a dura realidade enfrentada por aqueles que lutam para sobreviver em meio às adversidades climáticas e sociais, contribuindo para a compreensão das tragédias que assolam as regiões mais áridas do país. Outro destaque da autora é “Memorial de Maria Moura”, de 1992.

Nelson Rodrigues (1912-1980), conhecido como o “Anjo Pornográfico”, foi um mestre em revelar os tabus e as hipocrisias da sociedade brasileira. Suas peças teatrais e crônicas escancaram o lado sombrio das relações familiares e sociais, evidenciando como o moralismo pode se transformar em tragédia para aqueles que tentam reprimir seus desejos mais profundos. O “drama de família” era sua especialidade, e através de suas obras, ele expôs os segredos e as perversões que muitas vezes se escondem por trás das fachadas respeitáveis. “A vida como ela é…” (2006), publicado primeiramente em jornais é o destaque.

Maria Carolina de Jesus (1914-1977), por sua vez, se destacou pela representação autêntica da vida nas favelas. Seu livro “Quarto de Despejo”, de 1960, é um relato autobiográfico que lança luz sobre a pobreza e as condições precárias de vida enfrentadas pela autora e outros moradores da favela do Canindé, em São Paulo. Ela trouxe a voz da periferia para o cenário literário, destacando as tragédias cotidianas e as lutas enfrentadas por aqueles à margem da sociedade. Atualmente quem traz a voz da periferia para os livros é Geovani Martins, finalista do Jabuti 2023, com o livro “Via Ápia” (2022).

Graciliano Ramos (1892-1953), em suas obras, nos apresenta o sertão nordestino como um cenário árido e impiedoso, onde a seca e a miséria são protagonistas. Sua escrita nos mostra como a adversidade do ambiente pode se transformar em tragédia para as vidas dos personagens, refletindo uma dura realidade enfrentada por muitos brasileiros. O sertão em seus romances não é apenas uma paisagem geográfica, mas uma metáfora da luta desigual travada pelas camadas mais vulneráveis da sociedade. Destaque para o livro “Vidas Secas”, de 1938.

Jorge Amado (1912-2001), por outro lado, mergulha na riqueza cultural e na complexidade das relações humanas em suas histórias. Entretanto, mesmo em meio à exuberância de seus personagens e cenários, não podemos ignorar as questões sociais e econômicas que, por vezes, lançam sombras sobre o paraíso tropical que ele retrata. A beleza de suas narrativas coexiste com a tragédia da desigualdade. O sincretismo religioso, as festas populares e a sensualidade são elementos frequentes em sua obra, mas sempre entrelaçados com as realidades de um Brasil que ainda enfrenta profundas divisões sociais.

Fernando Sabino (1923-2004), com seu estilo leve e humorístico, nos presenteia com uma visão mais cotidiana do Brasil. Suas crônicas revelam as idiossincrasias de uma sociedade em constante transformação, onde o absurdo e o humor muitas vezes caminham lado a lado. Em suas palavras, encontramos a tragédia das situações absurdas que enfrentamos em nosso dia a dia. A burocracia, a política e as relações interpessoais são temas frequentes em sua escrita, e através do humor, ele nos convida a refletir sobre as contradições de nossa sociedade.

Jeferson Tenório, autor do livro “O avesso da pele”, de 2020, com sua escrita contemporânea, aborda temas atuais e urgentes, como a violência policial e o racismo estrutural. Suas histórias nos confrontam com a tragédia das vidas negras que são ceifadas prematuramente em um país que ainda luta para superar seu passado de discriminação. Através de personagens complexos e envolventes, ele nos mostra como o Brasil contemporâneo ainda enfrenta desafios profundos em relação à justiça social e à igualdade racial.

A lista é enorme e poderia citar inúmeros autores, pois a literatura brasileira é um espelho que reflete as múltiplas faces de uma tragédia chamada Brasil. Através das palavras desses escritores, somos confrontados com as realidades cruas e complexas de uma nação em constante transformação. Cada autor contribui para a compreensão das tragédias que afetam o país, seja através da violência, da desigualdade, da seca, do moralismo, do absurdo cotidiano ou do racismo estrutural. Essas obras também nos convidam a refletir sobre a possibilidade de superar essas tragédias, de encontrar esperança e construir um Brasil mais justo e igualitário. A literatura, assim, torna-se uma ferramenta poderosa para a compreensão e a transformação de nossa realidade, um espelho que nos desafia a encarar nossos problemas e a buscar um futuro mais promissor.

* Toni Ramos Gonçalves

Escritor, editor, ex-presidente e um dos fundadores da Academia Itaunense de Letras – AILE. Graduando em História e Jornalismo.