@toniramosgoncalves*
A trajetória de um escritor nunca é fácil; no entanto, a jornada das escritoras brasileiras em busca de reconhecimento no cenário literário enfrentou obstáculos ainda mais persistentes. Apesar da indiscutível qualidade de suas obras e da relevância de suas contribuições para a literatura do país, a contribuição feminina foi frequentemente ofuscada por preconceitos e invisibilidade ao longo das décadas.
Historicamente, o campo da literatura no Brasil foi dominado por figuras masculinas, com escritoras enfrentando uma batalha contínua por aceitação e respeito. Figuras pioneiras como Júlia Lopes de Almeida e Carmen Dolores (pseudônimo de Emília Moncorvo Bandeira de Mello) e de muitas outras ilustram a tenacidade e a resiliência necessárias para quebrar as barreiras de gênero no mundo literário.
No século XIX, época em que a literatura era dominada por homens, Júlia Lopes de Almeida (1862-1934) enfrentou um grande desafio. Apesar de sua contribuição significativa para a literatura brasileira e de ser uma das idealizadoras da Academia Brasileira de Letras (ABL), ela foi excluída da instituição. Isso refletia a relutância da sociedade da época em aceitar o talento literário feminino. Curiosamente, em vez de reconhecê-la, a ABL concedeu uma vaga a seu marido, como uma forma de consolação.
Por outro lado, Carmen Dolores (1852-1910) enfrentou desafios semelhantes, usando um pseudônimo para expressar suas ideias progressistas e defendendo a emancipação feminina através de suas crônicas. Durante 23 anos, Carmen Dolores destacou-se como a cronista mais audaciosa e bem remunerada do Brasil. Em sua coluna semanal na capa de “O País”, ela defendia a educação feminina como meio de resistir à subjugação marital, encorajava as mulheres a desafiarem os mandamentos eclesiásticos e sustentava que o divórcio era o único caminho para as mulheres manterem a custódia dos filhos e a chance de reconstruir suas vidas após uma separação. Essa posição, que por muito tempo lhe foi vetada, ressoava em suas palavras. Seu único romance “A luta” foi publicado em 1911, esquecido por décadas e reeditado em 2001.
Foi somente em 1977, com a admissão de Rachel de Queiroz à Academia Brasileira de Letras (ABL), que se iniciou a valorização da literatura feminina na instituição. Após ela, outras escritoras foram reconhecidas como imortais: Dinah Silveira de Queiroz (1980), Lygia Fagundes Telles (1982), Nélida Piñon (1989), Zélia Gattai (2001), Ana Maria Machado (2003), Cleonice Berardinelli (2009), Rosiska Darcy de Oliveira (2013), e mais recentemente, Fernanda Montenegro (2022).
No entanto, a inclusão dessas mulheres na ABL, embora representativa de um progresso significativo, não foi uma vitória completa sobre as disparidades de gênero no mundo literário. A luta por igualdade de oportunidades, visibilidade e reconhecimento para as escritoras continuou sendo um desafio constante.
Várias autoras alcançaram reconhecimento em fases mais avançadas de suas vidas ou deram início às suas carreiras literárias já na maturidade. Este é o caso de Cora Coralina, que começou a escrever aos 14 anos, porém publicou seu primeiro livro, “Poemas dos becos de Goiás e estórias mais”, apenas em 1965, aos 76 anos de idade. A consagração nacional de Coralina ocorreu em 1980, após o renomado poeta Carlos Drummond de Andrade divulgar e elogiar suas poesias.
Um caso similar ocorreu em Itaúna-MG. A memorialista Iracema Fernandes de Sousa publicou seu livro “Itaúna através dos tempos” em 1984, quando já passava dos 80 anos. Inicialmente negligenciada por historiadores locais, esta obra documenta diversos poetas de Itaúna, destacando apenas uma mulher entre eles: Nise Campos.
Segundo o poeta Wandick Robson Pincer, um grande admirador de Nise Campos, ela nunca publicou um livro. Suas obras se limitam a alguns poemas publicados isoladamente no agora extinto Jornal Folha do Oeste. Dentre eles, dois poemas ganharam destaque e perduraram no tempo: “Ode ao Tempo” (1933) e “Se Inveja é Pecado”. Além do seu legado literário, Nise Campos desempenhou um papel significativo na fundação do Grupo Espírita Francisco de Assis.
Ao longo da história literária de Itaúna, diversas escritoras se destacaram. Maria Lúcia Mendes é grande referência e a autora com maior número de livros publicados. Ela iniciou sua carreira literária após os quarenta anos e confessou que se tornar escritora exigiu dela grande determinação e coragem. Ninfa Parreiras, a primeira itaunense finalista do Prêmio Jabuti em 2019 com o livro “Donana e Titonho”, ainda é relativamente desconhecida em sua cidade natal, talvez por residir no Rio de Janeiro, mas é reconhecida no meio literário. Maria Eneida Nogueira Guimarães, que faleceu em 2023, é minha favorita no gênero poético, destacando-se por sua produção literária marcante. Merece destaque também a escritora Cila Nogueira, autora de “O Recomeço” (2013), conhecida por seus romances históricos.
Especialistas argumentam que é crucial ampliar a representatividade feminina em todos os aspectos da literatura, incluindo publicação, crítica literária e representação em academias e instituições literárias. Além disso, a inclusão de obras de autoras no currículo escolar pode desempenhar um papel vital na reformulação das percepções culturais sobre escritoras.
O caminho para o reconhecimento pleno das escritoras brasileiras ainda é longo e cheio de desafios. Contudo, a resiliência e a paixão exibidas por autoras como as mencionadas anteriormente seguem inspirando novas gerações, indicando um futuro mais promissor e igualitário na literatura do Brasil.
* Toni Ramos Gonçalves
Professor de História, Escritor, Editor, ex-presidente e um dos fundadores da Academia Itaunense de Letras – AILE. Graduando em Jornalismo.